terça-feira, julho 20, 2010

A Perda de um Implementador - Luiz Roberto Barradas Barata (1953-2010)

Ano 5, No. 18, Julho 2010


Andre Cezar Medici



Toda a grande política pública tem por detrás pelo menos três tipos de atores: os que divulgam, os que tiram vantagem e os que conceitualizam e implementam. Luiz Roberto Barradas foi um dos grandes conceitualizadores e implementadores práticos do SUS. Através de sua atuação nos distintos cargos públicos que exerceu em favor do SUS, Barradas conseguiu um número de realizações que poucos lograram conseguir em tão pouco tempo. Foi assessor dos melhores Ministros da Saúde dos últimos tempos, José Serra e Adib Jatene. Trabalhou desde fins dos anos noventa na Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, e depois como Secretário Adjunto de Saúde de São Paulo nos Governos Mário Covas e Geraldo Alkimin, quando se tornou, ainda neste último governo, Secretário da Saúde do Estado (SES) em 2003. Desde então permaneceu como Secretário de Saúde da SES até sua morte em 17 de julho de 2010.


Durante suas distintas passagens pelo Governo, não somente ampliou a infra-estrutura de serviços (e não foi pouco) mas também inovou com a implantação de novos modelos gerenciais do setor, como o de Organizações Sociais de Saúde (OSS), que transformaram a lógica de gestão dos hospitais públicos, colocando-os a serviço dos pacientes.

Na área de infra-estrutura, Barradas construiu 31 hospitais, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (um dos mais modernos do país), criou duas fábricas de medicamentos, uma de vacinas e várias unidades ambulatoriais de média complexidade para o atendimento especializado e de urgência, denominadas Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs). No que se refere a gestão, aumentou o acesso à atenção básica, o que é uma tarefa difícil em áreas de alta densidade populacional como as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e São José dos Campos. Criou o Programa Dose Certa para a distribuição gratuita de medicamentos à população.

Mas uma de suas grandes contribuições foi a transformação dos processos de gestão hospitalar no Estado criando em São Paulo o modelo de OSS, hoje consagrado pela população, que vem sendo replicado em vários Estados e Municípios no Brasil.

Em sua experiência de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) em São Paulo, Barradas gerou importantes lições aprendidas. Ele constatou, por exemplo, que a verticalização de programas e o planejamento centralizado sem a participação do executor responsável pela implementação das ações e a gestão do dia-a-dia institucional, tem conseqüências indesejadas na eficiência dos estabelecimentos de saúde, interferindo negativamente nos indicadores de resultado. Para êle, a autonomia na gestão dos estabelecimentos tem importância no aumento da eficiência e se reflete em melhores resultados assistenciais.

Sua experiência anterior na gestão da Santa Casa em São Paulo foi crucial para entender não apenas as vantagens desta autonomia, mas também que instituições privadas filantrópicas ou hospitais universitários autônomos tinham não apenas mais tecnologia gerencial, como também atributos específicos que permitiriam aumentar a eficiência e a capacidade de resolução dos problemas de saúde em benefício dos pacientes.

Assim se consubstanciou a parceria do Governo do Estado com entidades filantrópicas, que passaram a ser qualificadas como Organizações Sociais de Saúde (OSS) e adquiriram o direito de firmar Contratos de Gestão com a SES, para o gerenciamento de hospitais e equipamentos públicos de saúde. Este modelo de gestão introduziu novos conceitos de relacionamento com o setor filantrópico que se mostraram eficientes. A experiência iniciou-se em hospitais localizados em regiões carentes de serviços, buscando melhorar o acesso da população mais pobre à atenção hospitalar, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo.

A experiência das OSS, diferentemente do que muitos dos que tiram vantagem do SUS tentam disseminar, é uma experiência de gestão pública, com recursos públicos em benefício do interesse público. Três pilares sustentam o modelo: os parceiros, o contrato de gestão e o Estado como regulador. Os parceiros são instituições com larga tradição de gerência no sistema público como a Unifesp, USP, Unesp, Unicamp, Santa Casa de São Paulo e o Hospital Santa Marcelina, entre outras.

Os contratos de gestão estão regulados e fiscalizados por uma Sub-secretaria especial para o seu acompanhamento e tem características tais como a definição e acompanhamento de metas assistenciais, supervisão pública por uma Comissão inter-institucional onde se inclui a Assembléia Legislativa do Estado, atendimento exclusivo aos pacientes do SUS, supervisão do contrato e do balanço da OSS pelo Tribunal de Contas do Estado, comprovação de experiência mínima de 5 anos da OSS na gestão de serviços hospitalares e destinação de pelo menos 10% dos recursos ao pagamento de incentivos ao desempenho e atingimento de metas.

No modelo de OSS, a liberdade gerencial está condicionada à responsabilização dos dirigentes com o resultado frente à Secretaria de Saúde do Estado. As OSS se comprometem a cumprir metas de produção, com garantias de qualidade e satisfação da população atendida. O contrato de gestão detalha o limite de gasto com pessoal, explicita direitos de usuários, trata da relação com a central de vagas (regulação) e define metas quantitativas e qualitativas relacionadas com resultados, tornando-se uma importante ferramenta de controle social e transparência no uso do dinheiro público. Os hospitais geridos por OSS participam das instâncias deliberativas do SUS, bem como dos Conselhos Municipais de Saúde. A incorporação dessas ferramentas gerenciais melhora a assistência e amplia a participação social na gestão do hospital, estando os usuários muito mais próximos de terem suas queixas resolvidas e sua satisfação garantida.

Durante sua gestão à frente da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, Barradas conseguiu implementar, no campo hospitalar, 35 OSS. Os resultados alcançados logo se fizeram diferenciar dos demais hospitais públicos que continuaram sob o tradicional sistema de administração direta. Os hospitais sob o regime de OSS apresentam melhores indicadores de qualidade, eficiência alocativa, eficiência técnica e custo-efetividade que os hospitais públicos tradicionais. Eles empregam menos funcionários para produzir mais serviços e ocupam mais intensamente a capacidade do hospital, tem maior qualidade técnica (acreditação) e assistencial (produzem por exemplo uma menor proporção de cesáreas para casos que não tem complicação) e apresentam menores custos.

Os modelos contratuais com as OSS tem sido também relevantes para redefinir as relações contratualizadas entre a Secretaria de Saúde do Estado com os provedores privados – lucrativos e filantrópicos – aumentando também a performance e a exigência associada a estes contratos para a clientela SUS.

Mas o mais importante foi enfrentar o desafio de melhorar a qualidade assistencial dos hospitais da administração direta. Para tal, graças ao esfôrço de Barradas e da equipe da SES, tem sido possivel implementar em muitos destes hospitais processos de gestão similares aos das OSS. Tem-se logrado, desta forma, um maior controle dos recursos físicos, humanos e financeiros e uma maior dedicação destes hospitais à população usuária do SUS.

Com isso, se espera que a diferença nos resultados assistenciais entre as OSS e os hospitais da administração direta se reduza com o tempo. Dado que as OSS passaram a ser benchmarks para os demais hospitais, elas fornecem toda uma gama de inovações em processos de gestão clínica e administração que pouco a pouco começaram a se implementar em toda a rede.

Em março de 2010 foi divulgado o ranking dos melhores hospitais do Estado de São Paulo, baseado em 158 mil entrevistas realizadas com usuários destes hospitais. Os dois hospitais melhor classificados pela população são OSS e o quarto também (Hospital Regional de Ribeirão Prêto, Instituto do Cancer do Estado de São Paulo e Hospital de Reabilitação de Baurú, respectivamente). Assim, dos 10 primeiros colocados, 3 são OSS e 6 são filantrópicos, mas um hospital é da Administração Direta – o Hospital Regional de Assis – demonstrando que a política de qualificação dos hospitais da Administração Direta, implementada por Barradas, já começa a dar resultados.

Outro tema de grande relevância para Barradas era a formação profissional em saúde, a qual contribui para a geração de equipes capacitadas para gerar uma atenção de qualidade no SUS Estadual. Daí a grande importância que ele atribuia aos Hospitais de Ensino. Durante sua gestão, ele não somente criou um sistema estadual de informações para o acompanhamento dos Hospitais do Ensino (SAHE) como definiu políticas claras e incentivos para que estes hospitais se aperfeiçoassem. A gestão do sistema SAHE e a avaliação dos seus resultados, ficaram centralizadas do Gabinete da SES, sob a coordenação de Olimpio Bittar, um dos grandes especialistas em temas de hospitais universitários no Brasil.

Barradas via que a adequada implementação das políticas de saúde se diferenciava das demais, sobretudo pelas necessidades de acesso humanizado e holístico à saúde. Renilson Rehem, que foi Secretario Adjunto da SES, ressaltou as palavras de Barradas ao dizer que São Paulo tem que assumir esta responsabilidade com os pacientes de outros Estados de onde quer que venham.

O compromisso e a confiança na qualidade que a SES vinha dedicando ao SUS era outra convicção de Barradas. Prova cabal disso foi o fato de que, no momento mais dificil de sua vida, ao ter de decidir onde buscar atendimento para uma suspeita de infarto, optou por um hospital estadual da Administração Direta - o Instituo Dante Pazzanese de Cardiologia - recebendo todos os cuidados possíveis. Infelizmente a grave situaçao do seu caso estava além das possibilidades clínicas.

Barradas acreditava que as políticas de saúde não podem ser entendidas somente como um conjunto de profissionais, edifícios, equipamentos, ambulâncias e pacientes que ingressam mecanicamente no SUS e saem depois como estatísticas dos prontuários de serviços. Por trás de tudo isso, existem seres humanos que entregam suas vidas para receberem tratamentos que podem levar à vida ou à morte. Para o dia a dia das pessoas, os resultados em implementar bem o SUS se fazem sentir mais no sorriso do que em lágrimas, mais no alívio do que na dor, mais na compaixão do que na indiferença, mais na dignidade do que na miséria.

Barradas, além de implementador, era um formador prático e deixou amigos e muitos seguidores que irão avançar na implementação dos seus ideais. Seu nome fica inscrito entre aqueles que mais contribuiram para fazer com que o SUS passasse das Leis não cumpridas e do discurso sanitário para a realidade e a prática.

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