terça-feira, julho 24, 2012

Impactos Econômicos da Epidemia de Câncer


Ano 7, No. 40, Julho 2012


André Cezar Medici
Kaizo Iwakami Beltrão

 
Introdução

Em artigo postado neste blog em 28 de fevereiro deste ano, iniciamos com Kaizô Beltrão, uma análise de aspectos sociais, demográficos e econômicos do câncer, começando com uma avaliação da epidemiologia e distribuição do câncer, ao nível mundial, com ênfase na América Latina. Representando em 2004 cerca de 13% das mortes anuais, o câncer respondia por 15% dos anos de vida saudáveis perdidos (AVISA) nos países ricos e 6% dos AVISA nos países da América Latina e Caribe (ALC). 

Mas quanto custam estes anos de vida perdidos para a sociedade mundial? É muito difícil saber, dado que as informações existentes são precárias e existem muitos aspectos a considerar. Podemos dizer que os custos associados ao câncer tem efeitos: a) na economia; b) nos sistemas de saúde e c) na vida das famílias e nos indivíduos.

Esquema Conceitual para Avaliar os Impáctos Econômicos do Câncer

Os efeitos da epidemia de câncer na economia se expressam:

 Na redução da oferta de trabalho, dado que, embora a doença tenha maior incidência entre a população de terceira idade, muitos a adquirem quando ainda fazem parte da população economicamente ativa. Dessa forma, o câncer tira da atividade econômica temporariamente (quando existe uma plena recuperação) ou definitivamente (quando leva à morte ou a incapacidade permanente) uma quantidade expressiva de homens e mulheres à cada ano.

·         Na redução da produtividade do trabalho, dado que, mesmo retornando à atividade econômica, muitos dos que contraem a doença reduzem sua produtividade em função de interrupções para o tratamento ou de sequelas que não permitem recuperar plenamente sua anterior capacidade laboral

·         No aumento dos custos para o empregador, dado que a incidência crescente de câncer leva ao aumento da sinistralidade da população economicamente ativa elevando o preço médio dos prêmios dos seguros de saúde pagos pelas empresas, assim como ao pagamento dos dias parados de seus empregados necessários ao tratamento da enfermidade;

·         Na redução das taxas de retorno do capital humano, dado que os eventuais  investimentos realizados em treinamento e capacitação de trabalhadores que vem a ser portadores de câncer, se perde ao não se materializar plenamente na realização de um trabalho mais qualificado ou com maior valor agregado;

·        Na redução da arrecadação tributária, dado que na medida em que portadores de câncer deixam de trabalhar ou reduzem sua carga de trabalho pelos efeitos da doença, se reduz a magnitude do produto tributável das empresas, o mesmo acontecendo na arrecadação de imposto de renda da pessoa física, quando os trabalhadores passam a receber ou a deduzir do imposto a pagar as despesas médicas em função da doença;

·         No aumento dos gastos públicos agregados com saúde, dado que boa parte do tratamento de câncer se realiza através dos sistemas públicos de saúde, que são financiados com recursos fiscais.  

     No aumento dos gastos públicos agregados com benefícios previdenciáriops, dado que, em países como o Brasil, por exemplo, o período da licença saúde após os 15 dias cobertos pelo empregador, bem como as aposentadorias por invalidez são financiados pelos sistemas previdenciários, com similaridades nos sistemas de pensão de outros países.

Além dos efeitos econômicos, vale a pena mencionar os efeitos da doença no sistema de saúde, entre os quais vale a pena destacar:
·        
      O aumento do consumo de serviços de saúde, dado que o câncer é altamente intensivo no uso de força de trabalho de saúde, no consumo de exames de diagnóstico, de medicamentos, de tratamentos prolongados e intervenções cirúrgicas, sem contar o aumento dos gastos com prevenção da doença que passam a ser feitos como forma de evitar maior morbidade ou mortalidade para aqueles cânceres que são preveníveis;  

     Os  altos custos de tratamento por caso, os quais elevam os gastos públicos, os custos médios por paciente e o valor dos prêmios dos seguros privados e acabam por limitar o espaço para o tratamento de outras doenças também frequentes nos serviços de saúde públicos ou privados;

           A baixa efetividade dos tratamentos, dado que na maioria dos casos de câncer os efeitos na redução da mortalidade tem sido marginais e os resultados são mais paliativos do que efetivos na recuperação dos pacientes. Mesmo nos casos onde se prolonga a vida do paciente, em sua maioria é difícil evitar as recidivas e a mortalidade;

·        Exige adaptações nos serviços de saúde, como uso de salas especiais para tratamento de quimio ou radioterapia, equipamentos mais sofisticados de diagnóstico, etc., que elevam os investimentos dos serviços de saúde com efeitos não proporcionais na melhoria de sua efetividade.
Por fim, vale mencionar os efeitos do câncer na vida cotidiana das famílias e dos indivíduos onde se destaca basicamente:

A redução do bem-estar individual e familiar, dado que, além do sofrimento pessoal ou familiar, todos passam a ter que adaptar suas vidas as rotinas de tratamento dos pacientes;

O aumento da incapacidade física, levando o portador da doença a uma maior dependência do auxílio de familiares para o desempenho de suas rotinas, muitas vêzes até as mais básicas e simples;

O empobrecimento individual ou familiar, provocado pela perda de renda dos portadores (quando economicamente ativos) e dos familiares, que tem que limitar suas atividades de traballho para auxiliar os parentes enfermos, além do alto custo dos medicamentos, transporte e tratamentos paliativos, muitas vêzes não cobertos pelos serviços públicos ou pelos planos de seguro de saúde. Tais circunstâncias podem levar as famílias à perda de patrimônio, que tem que ser liquefeito para pagar os gastos, ou ao endividamento.

A redução de oportunidades do indivíduo ou da familia, dado que o tempo dedicado pela família ao tratamento, passa a tirar o tempo para a educação, lazer, cultura, busca de oportunidades melhores de trabalho e outras atividades que poderiam aumentar o capital intelectual e social das famílias

Em outras palavras, para avaliar os efeitos econômicos globais do câncer (e também de outras doenças) na sociedade, teriamos que considerar como ele afeta a atividade laboral da população economicamente ativa, como ele aumenta os custos de oportunidade dos gastos públicos, das empresas e das famílias, como ele afeta o futuro das famílias que sofrem o efeito da doença (especialmente das crianças ou jóvens em idade escolar), e suas condições de sobrevivência (perdas patrimoniais, endividamento, etc.), além dos custos dos AVISA perdidos pela morte ou tratamento.

Portanto, poderíamos classificar todos estes custos em 3 categorias básicas:

Custos Diretosassociados aqueles incorridos pelas empresas, indivíduos, famílias ou empresas em processos de prevenção, diagnóstico e tratamento, incluindo o transporte de pacientes, hospitalização e ambulatório, reabilitação, promoção para a comunidade, exames e medicamentos;

 Custos Indiretos, como perdas de capital humano pela mortalidade e pela morbidade prematuras e seus efeitos no produto agregado e sua distribuição entre governo (receitas fiscais), empresas (lucros ou dividendos) e familias (rendas derivadas do trabalho); 

Custos Intangíveis, os quais se expressariam nas dimensões não econômicas da doença associadas a dor, ansiedade e sofrimento, as quais seriam difíceis de atribuir uma expressão monetária.

 
Algumas estimativas dos custos indiretos associados ao câncer, ao nivel global

Infelizmente, não existem estudos globais que possam mapear todas as dimensões associadas ao custo do câncer anteriormente mencionadas, mas existem, no entanto, algumas possibilidades de estimar as perdas econômicas como parte dos custos indiretos do câncer. A American Cancer Society e Livestrong publicaram em 2011 um estudo sobre as perdas econômicas globais associadas ao câncer (1). Este estudo, baseado nas projeções de carga de doença da OMS para 2008, não incluiu os custos diretos, mas somente os custos indiretos. Para tal, foi utilizado o custo associado a 17 tipos de câncer por AVISA perdido, de acordo com o nível de desenvolvimento que o Banco Mundial caracteriza as Regiões (países de alta renda, países de renda média alta, países de renda média baixa e países de baixa renda). 

O Estudo também permitiu comparar as perdas econômicas associados ao câncer com otros 14 tipos de doenças, permitindo um ranking das doenças que representam as maiores perdas econômicas em termos de custos indiretos. De acordo aos resultados, estima-se que o câncer, representa perdas econômicas de quase 900 bilhões de dólares anuais, sendo a doença que acarreta maiores custos indiretos ao nível mundial em 2008 (ver gráfico 1). Seguem-se em ordem de perdas econômicas, as doenças cardíacas, os acidentes cérebro-vasculares e a diabetes.
 
Gráfico 1 – As 15 doenças que representam as maiores perdas econômicas (Em US$ Bilhões), ao nivel mundial, de acordo com as projeções da OMS por carga de doença - 2008

 
As perdas econômicas (custos indiretos) associadas ao câncer representavam em média 1,5% do PIB mundial em 2008, mas poderiam alcançar 1,7% em países como os Estados Unidos e até 3% em países como a Hungria.

A metodologia para calcular as perdas econômicas por AVISA, associa-se ao valor econômico atribuido à vida de um indivíduo, de acordo com o seu produto per-capita médio anualmente gerado. Nesse sentido, ainda que existam muitos casos de câncer em países de menor nivel de desenvolvimento, as perdas econômicas são menores dado que a produtividade econômica dos trabalhadores (produto per-capita gerado) é menor nestes países do que nos de alta renda.

De acordo com os resultados do estudo, os três tipos de câncer que levaram a maiores perdas econômicas em 2008 são os cânceres de pulmão (US$ 188 bilhões), do cólon-reto (US$ 99 bilhões) e de mama (US$ 88 bilhões). Estes três tipos de câncer representam 34% dos AVISA perdidos e 42% das perdas econômicas associdas aos 17 tipos de câncer investigados, ao nivel mundial. A tabela 1 mostra os custos econômicos estimados destes tres tipos de câncer, destacando os países de renda alta e de renda média alta (onde se inclui o Brasil).

 
Tabela 1: Perdas econômicas (custos indiretos) dos três tipos de câncer com maior volume de perdas econômicas de acordo com  o nivel de renda dos países (2008), em US$ bilhões.


Verifica-se que, entre os países de alta renda, os perdas econômicas associadas a estes três tipos de câncer são bem maiores do que entre os países de renda média alta, de renda média baixa e de renda baixa, o que se explica basicamente pelos diferencias de produtividade e de renda do trabalho entre estes países e também pela incidência de câncer que é bem mais elevada entre os países de alta renda (2).

A tabela também mostra que, no caso dos países de renda média  alta, não existem diferenças tão significativas entre as perdas econômicas entre os três tipos de câncer e que, com o aumento da incidência de fatores de risco associados a obesidade, os cânceres cólon-retal e de mama passaram a aumentar sua incidência entre estes países.

Já no caso dos países de renda média baixa e de renda baixa, as perdas associadas ao câncer de pulmão e bronquios são significamente maiores do que dos outros dois tipos de câncer, dada a maior mortalidade deste tipo de câncer entre pessoas economicamente ativas, por um lado; e a menor mortalidade de câncer de reto e colon que se associa a pessoas com maior nivel de renda. Também se destaca um menor nivel, não de frequência, mas de perdas econômicas câncer se mama.

Tendências mundiais

Em 2008, a GLOBOCAN estimava a existência de 12,7 milhões de pessoas portadoras de câncer no mundo, dos quais 35% se concentravam na Ásia do Leste (onde se inclui a China e Japão), 18% na Europa Ocidental, 13% na América do Norte, 11% na Asia Central e do Sul (onde se inclui a India) e 8% nos países do Leste Europeu. Os demais 22% dos casos se distribuiam entre a África, os Países da América Latina e Caribe (excetuando-se México) e a Oceania. 

De acordo com os dados disponíveis, a incidência de câncer tenderá a aumentar, especialmente nos países em desenvolvimento. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), indicam que o número de casos de câncer passará de 12,7 milhões em 2008 para 22,2 milhões em 2030, dos quais cerca de quatro quintos ocorrerão em países em desenvolvimento, comparados a já elevada cifra de 2008 onde os países em desenvolvimento respondem por 70% dos novos casos. O número de mortes pela doença deverá passar de 7.6 milhões em 2008 para 13,1 milhões, de acordo com estimativas para 2030.

Nos países desenvolvidos, embora não se tenham estudos para todos, pode se dizer que as taxas de incidência para alguns tipos de câncer estão se reduzindo. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, estudos da American Cancer Society (3) mostram que as taxas masculinas de câncer de pulmão e brônquios que chegaram a quase 90 por 100 mil ao redor de 1990, estão próximas de 60 por 100 mil em 2008. Tendências similares, a mais longo prazo, se verificam nos cânceres de estômago, próstata e cólon-retal. Estas tendências se associam à redução dos fatores de risco, tais como o tabaco no caso do câncer de pulmão. Alguns tipos de câncer, no entanto, ainda que tenham taxas de incidência menores, tem apresentado tendência a estabilidade ou ao aumento, como é o caso dos cânceres de pâncreas, figado e da leucemia. 

Tendências recentes, de acordo com o mesmo estudo, mostram reduções recentes na incidência feminina de câncer de estomago, colon-retal e mama entre as mulheres norte-americanas, mas um aumento, seguido de estabilidade, do câncer de pulmão e brônquios, dado que o aumento da frequência de mulheres fumantes começou mais tarde que entre os homens e os efeitos da campanha anti-tabaco ainda não se faziam sentir fortemente no grupo feminino até 2008. Assim, o câncer de pulmão, ainda que tenha uma tendência a longo prazo à redução, é a forma mais frequente desta doença entre a população norte-americana em ambos os sexos.

No entanto, nos países em desenvolvimento, as taxas de incidência de câncer estão aumentando e em poucos anos ultrapassarão aquelas que hoje prevalecem nos países de alta renda. O Brasil, por exemplo, em 2008 já estava entre os países com taxas mais altas do mundo em  câncer de estômago e exôfago entre os homens. O Quadro 1 mostra, na comparação de diversos países ao nivel mundial, qual é a situação do Brasil nos níveis relativos de estimativa de alguns tipos de câncer em 2008. Verifica-se que no Brasil os níveis relativos de incidência masculinos são maiores que os femininos nos cânceres que incidem para ambos os sexos.

 Quadro 1 – Niveis de Incidência Relativa de Alguns Tipos de Câncer no Brasil comparados com os Demais Países do Mundo: 2008
 
Segundo a OMS, cerca de 30% das mortes por câncer poderiam ser evitadas se fossem controlados cinco fatorea de risco:  a) obesidade, b) baixo grau de consumo de frutas e vegetais, c) falta de atividade física regular, d) uso do tabaco e e) uso do alcool em larga escala. Somente ao tabaco se pode atribuir 22% das mortes globais por câncer e 71% das mortes associadas ao câncer de brônquios e pulmão. O câncer causado por infecções virais, como as HBV-HPV entre as mulheres respondem por 20% das mortes por câncer em países de renda baixa e de renda média baixa.  Mas eliminar estes fatores de risco não parece ser fácil na maioria dos países em desenvolvimento.


Por todos estes motivos, a velocidade de aumento dos gastos com câncer, ao nivel mundial e regional, irá depender de vários fatores, cabendo destacar: a) o processo de transição demográfica, especialmente nos países em desenvolvimento, que acarretará em maior número de pessoas adultas e idosas sujeitas a incidência desta enfermidade; b) a capacidade de aumentar os processos de detecção precoce e prevenção, a qual até hoje somente tem avançado para alguns tipos de câncer e c) os custos médios associados ao tratamento e prevenção, em função de medicamentos e da natureza das intervenções clínicas ou cirúrgicas disponíveis.

Notas


2                             2. Entre os outros conjuntos de países, somente aqueles da Europa do Leste e Ásia Central, considerados como de renda média alta, tinham em 2008 uma incidência estimada de câncer similar aos dos países de alta renda (em torno de 18,5 AVISA perdidos por  1000 habitantes). Na América Latina, a incidência estimada era de 10,7 AVISA perdidos por 1000 habitantes). 

3                       3. American Cancer Society (2012), Surveillance Research.




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