Ano 12, Número 91, Dezembro de 2018
No dia 7 de dezembro de 2018, Cristina Balerini, jornalista da Editora Phoenix, solicitou-me uma entrevista sobre econmia em saúde e modelos de avaliação econômica. Estou reproduzindo, nesta postagem, a íntegra da entrevista que basicamente se concentra nos temas de Análise Econômica e Farmacoeconomia. Boa leitura.
No dia 7 de dezembro de 2018, Cristina Balerini, jornalista da Editora Phoenix, solicitou-me uma entrevista sobre econmia em saúde e modelos de avaliação econômica. Estou reproduzindo, nesta postagem, a íntegra da entrevista que basicamente se concentra nos temas de Análise Econômica e Farmacoeconomia. Boa leitura.
Cristina Balerini
(CB) Quais são os principais modelos de avaliação
econômica em saúde?
Andre Medici (AM) Não existem
principais modelos. As necessidades de avaliação estão em aberto e novos
modelos e alternativas tem sido criados ao longo do tempo, a depender da
natureza destas necessidades. Portanto, é necessário, antes de tudo, definir
com claridade a pergunta que se quer fazer antes de utilizar a forma de
análise econômica mais adequada. Análises econômicas em saúde podem envolver temas de
benefício-custo ou a relação entre os resultados financeiros e os custos
envolvidos; eficiência-custo ou a
avaliação da produtividade física de uma técnica em relação ao seu custo; utilidade-custo,
a qual tem sido pouco utilizada mas pode ser relevante em aspectos de
farmacoeconomia que incluam análises direcionadas para medir anos de vida
ajustados pela qualidade (QALYs) e análises de efetividade-custo, que medem o
resultado final em termos de melhoria das condições de saúde relacionados ao
custo incorrido em todo um determinado tratamento. Em geral, as análises de efetividade-custo,
ou custo-efetividade, como é mais comumente dito na literatura, são
as mais frequentes no caso da saúde.
CB - Existe a preocupação com o custo x qualidade? O profissional entende a importância e sabe avaliar custos e efetividade?
Existe um ditado de que a vida é um valor sem preço. Mas existe um custo máximo que cada sociedade pode suportar para pagar por ela. Países desenvolvidos tem mais recursos para pagar por terapias inovadoras que prolongam a vida. Estas demoram a chegar e a estar acessíveis aos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento (pelo menos no setor público). No entanto, podem chegar futuramente a um custo menor, dado que o custo inicial de amortizar a pesquisa para as novas tecnologias costuma ser pago inicialmente pelas populações dos países desenvolvidos e estas tecnologias, quando chegam aos países em desenvolvimento, podem estar descontadas destes custos de recuperação dos investimentos realizados para disponibiliar estas novas tecnologias, dado que as populações dos países mais ricos pagam mais caro mais são as primeiras a se beneficiar.
CB: Quais os riscos para a saúde pública e privada da não realização de uma avaliação econômica eficaz ou de uma avaliação pouco robusta?
A análise custo-efetividade busca avaliar,
por exemplo, cual a efetividade clínica de um medicamento novo em relação ao
seu custo. A efetividade pode ser medida de várias formas. Podem ser
utilizados indicadores, tais como número de mortes evitadas, número de
casos curados, número de anos de vida ajustados pela qualidade ou
discapacidade perdidos que são evitados, tempo e permanência da
cura, grau de sofrimento durante a cura, ou qualquer outro parâmetro de
efetividade que se queira utilizar, em relação ao custo incorrido. A maioria
das análises medem os efeitos da relação custo-efetividade de um novo
medicamento, de uma nova técnica, de num novo prodecimento ou de um novo
diagnóstico em relação a um medicamento ou processo clínico previamente
existente para atingir o mesmo resultado. Menor custo para uma mesma
efetividade ou mesmo custo para uma efetividade maior são evidências de que o
novo medicamento ou procedimento é melhor.
As análises custo-efetividade podem ser sofisticadas e
necessitam a utilização de modelos matemáticos, tais como modelos dinâmicos,
cadeias de Markov, árvores de decisão, simulação de eventos discretos e outros.
Mas a escolha dos modelos que serão utilizados depende de uma série de
circunstâncias, tais como o que ser quer obter com o estudo, ou o que se quer
avaliar de forma clara, quais são os potenciais beneficiários, qual as
informações disponíveis para realizar o estudo e sua confiabilidade, em que
período de tempo o estudo estará contido, qual a taxa de desconto a ser
utilizada na análise dos benefícios ou resultados, e uma medida do grau de
incerteza provável do resultado, a partir de uma análise de sensibilidade.
CB - Atualmente, qual
papel tem desempenhado o profissional de saúde neste contexto de
farmacoeconomia?
AM - A
farmacoeconomia é um ramo da economia da saúde que tem por objetivo analisar os
resultados do uso de um determinado medicamento em terapias, assim como os
custos derivados da introdução ou uso deste medicamento para os pacientes e
para os sistemas públicos ou privados de saúde. Questões aparentemente simples
como qual o melhor medicamento para tratar uma determinada doença em relação ao
seu custo muitas vêzes exigem estudos complexos para obter uma resposta clara e
o profissional de farmaco-economia é aquele que vai desenvolver os estudos e
técnicas para dar estas respostas, buscando analisar suas diversas nuances,
como os custos associados aos efeitos da medicação na qualidade de vida do
paciente, e o tempo de sobre-vida com qualidade que o paciente teria com o
uso deste medicamento.
As respostas fornecidas pelos profissionais de farmacoeconomia a estas questões permitem, do ponto de vista dos governos e planos de saúde, saber se podem adotar ou não determinado medicamento em suas listas de procedimentos e, do ponto de vista da empresa farmacêutica, tomar a decisão sobre e vale a pena desenvolver este medicamento, continuar ou descontinar sua produção, assim como outras decisões estratégicas.
As respostas fornecidas pelos profissionais de farmacoeconomia a estas questões permitem, do ponto de vista dos governos e planos de saúde, saber se podem adotar ou não determinado medicamento em suas listas de procedimentos e, do ponto de vista da empresa farmacêutica, tomar a decisão sobre e vale a pena desenvolver este medicamento, continuar ou descontinar sua produção, assim como outras decisões estratégicas.
CB - Existe a preocupação com o custo x qualidade? O profissional entende a importância e sabe avaliar custos e efetividade?
AM - Sim. Profissionais de farmacoeconomia procuram
estabelecer qual a melhor opção terapeutica para uma determinada doença sob o
ponto de vista da qualidade e custo, ou seja, aquela que permite a
racionalização da aplicação dos recursos com ganhos de qualidade de vida
para o paciente e resultados positivos para a organização dos serviços de
saúde.
A efetividade de uma opção terapeutica é aquela que permite a melhor combinação para um paciente viver mais com o exercício pleno de suas capacidades e desfrutando, de forma confortável, as oportunidades que a vida lhe confere. Em economia da saúde, uma das medidas utilizadas para medir a efetividade são os anos de vida perdidos por discapacidade (DALY), que podem estar associados a mortalidade precoce (YLL), ou seja, uma doença pode levar uma pessoa à morte prematura, ou podem estar associados a morbidade (YDL), ou seja uma pessoa poderá ter uma qualidade de vida ruim por ter uma doença em aspectos como não poder se movimentar, ter que viver com dor permanente ou com incapacidades diversas ou ter ainda perda de capacidade cognitiva. Portanto, a efetividade de uma opção terapeutica, simplificando várias coisas, é a medida que permite avaliar se, ao menor custo possível, será minimizado o número de YLL e YDL perdidos pelos indivíduos e pela sociedade.
No entanto, cabe sempre a pergunta de qual será o custo de prolongar a vida de um paciente por um determinado tratamento e se tal custo é justificavel, sobre os aspectos clínicos e de qualidade de vida. A este tema, vale responder que tudo depende de como a sociedade valoriza a vida dos individuos (e sua qualidade de vida) e qual os recursos disponiveis para pagar por este valor.
A efetividade de uma opção terapeutica é aquela que permite a melhor combinação para um paciente viver mais com o exercício pleno de suas capacidades e desfrutando, de forma confortável, as oportunidades que a vida lhe confere. Em economia da saúde, uma das medidas utilizadas para medir a efetividade são os anos de vida perdidos por discapacidade (DALY), que podem estar associados a mortalidade precoce (YLL), ou seja, uma doença pode levar uma pessoa à morte prematura, ou podem estar associados a morbidade (YDL), ou seja uma pessoa poderá ter uma qualidade de vida ruim por ter uma doença em aspectos como não poder se movimentar, ter que viver com dor permanente ou com incapacidades diversas ou ter ainda perda de capacidade cognitiva. Portanto, a efetividade de uma opção terapeutica, simplificando várias coisas, é a medida que permite avaliar se, ao menor custo possível, será minimizado o número de YLL e YDL perdidos pelos indivíduos e pela sociedade.
No entanto, cabe sempre a pergunta de qual será o custo de prolongar a vida de um paciente por um determinado tratamento e se tal custo é justificavel, sobre os aspectos clínicos e de qualidade de vida. A este tema, vale responder que tudo depende de como a sociedade valoriza a vida dos individuos (e sua qualidade de vida) e qual os recursos disponiveis para pagar por este valor.
Existe um ditado de que a vida é um valor sem preço. Mas existe um custo máximo que cada sociedade pode suportar para pagar por ela. Países desenvolvidos tem mais recursos para pagar por terapias inovadoras que prolongam a vida. Estas demoram a chegar e a estar acessíveis aos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento (pelo menos no setor público). No entanto, podem chegar futuramente a um custo menor, dado que o custo inicial de amortizar a pesquisa para as novas tecnologias costuma ser pago inicialmente pelas populações dos países desenvolvidos e estas tecnologias, quando chegam aos países em desenvolvimento, podem estar descontadas destes custos de recuperação dos investimentos realizados para disponibiliar estas novas tecnologias, dado que as populações dos países mais ricos pagam mais caro mais são as primeiras a se beneficiar.
CB: Quais os riscos para a saúde pública e privada da não realização de uma avaliação econômica eficaz ou de uma avaliação pouco robusta?
AM – No caso da saúde pública,
avaliações de tecnologia de saúde (ATS) são um campo obrigatório de ação
(direta ou indireta) dos Ministérios da Saúde, permitindo avaliar quais os
medicamentos que compõe ou que podem ser incorporados ou atualizados como
melhores alternativas para a formulação de listas de medicamentos para os
programas públicos de saúde. O risco de não realizar estas avaliações de
tecnologia, seja diretamente, seja com base em protocolos ou referências internacionais
validadas, é aprovar tratamentos pouco eficazes ou até mesmo aumentar o risco
dos pacientes com os tratamentos existentes.
No caso dos planos de saúde, quando estes não seguem as normas públicas,
devem também ter mecanismos (proprios ou referenciais) de considerar estes
critérios. Vale tanto para o setor público como para o setor privado, a
consideração sobre os benefícios das análises de sensibilidade e dos princípios
do uso racional de medicamentos, incluindo temas como os quesitos de segurança
clínica, eficácia (incluindo o processo de gestão) e correspondentes análises
de qualidade em relação aos seus custos.
Riscos de saúde associados a não seguir os criterios de farmacoeconomia
no uso racional de medicamentos, tanto para o setor público como para os planos
de saúde podem ser: (i) incorrer em custos desnecessários e portanto reduzir a
eficácia e a eficiência do tratamento; (ii) não gerar os resultados positivos
esperados no tratamento dos pacientes e portanto aumentar o custo do uso dos
medicamentos em relação à sua efetividade clínica. Do ponto de vista econômico,
para o setor público isto pode ser uma fonte de desequilíbrios e ineficiências
orçamentárias e para os planos de saúde uma fonte de perdas de lucratividade ou
aumento desnecessário de custos para os segurados.
As empresas farmacêuticas, como já foi dito, são as mais interessadas
nos estudos de farmacoeconomia para garantir a segurança dos retornos
econômicos de suas pesquisas clínicas. Assim, desde as fases preliminares de
desenvolvimento de um novo medicamento, farmacoenomistas deveriam estar
debruçados para explorar que benefícios seriam gerados em relação aos custos
incorridos comparados com as terapias atualmente existentes para problemas
identificados de saúde. No caso de medicamentos para doenças em tratamento, a
medida de efetividade seria a comparação de quantos casos podem ser curados ou
melhorados sobre o total de casos testados com os medicamentos novos e os
medicamentos existentes.
CB: Quais perguntas devem ser respondidas na avaliação econômica?
AM: A primeira pergunta a ser feita é que decisões a maioria dos serviços de saúde ou os médicos tem utilizado para receitar um medicamento ou propor uma terapia? Estou certo de que em grande medida elas não passam por critérios econômicos, e quando se considera o tema da eficácia clínica, os custos são em geral descartados como um aspecto secundário, porque o governo ou o plano (e ainda o paciente) acabam pagando.
CB: Quais perguntas devem ser respondidas na avaliação econômica?
AM: A primeira pergunta a ser feita é que decisões a maioria dos serviços de saúde ou os médicos tem utilizado para receitar um medicamento ou propor uma terapia? Estou certo de que em grande medida elas não passam por critérios econômicos, e quando se considera o tema da eficácia clínica, os custos são em geral descartados como um aspecto secundário, porque o governo ou o plano (e ainda o paciente) acabam pagando.
As perguntas associadas a avaliação econômica (e a farmacoeconomia em
particular) podem ser divididas em aspectos macro e micro. Do ponto de vista
macro, cabe perguntar (a) quais os custos monetários de uma doença vis-a-vis os
custos de lançar um medicamento novo que permita um tratamento mais efetivo, mesmo
que comparado aos medicamentos já existentes? (b) Como utilizar os princípios
do uso racional de medicamentos na escolha de uma lista de medicamentos para
governos ou instituições assistenciais ou de seguro de saúde?
Do ponto de vista micro, boa parte do desenvolvimento da farmacoeconomia
é indissociável ao desenvolvimento da pesquisa clínica farmacêutica. Neste
particular os métodos para a avaliação
farmacoeconômica estão estabelecidos há quase duas décadas e o número de países
e instituições que exigem avaliações econômicas para a tomada de decisões
quanto ao registro ou reembolso de medicamentos tem crescido, mas ainda cabe
perguntar sobre o real impacto destas análises nos custos dos medicamentos e fazer
uma análise mais detalhada sobre os resultados.
As principais perguntas do ponto de vista micro são relacionadas a: (a)
se os métodos utilizados na pesquisa clínica são válidos; (b) Se a análise de
efetividade em relação aos custos inclui todas as alternativas possíveis; (c)
Se os custos e resultados clínicos são adequadamente medidos e avalidados; (d)
Se a análise de sensibilidade foi feita com critérios adequados; (e) Se as
linhas de base para os custos e resultados (no caso de não tratamento) foram
medidas adequadamente; (f) Se existem variações dos custos e resultados (ou
custos incrementais) entre grupos e sub-grupos populacionais, de acordo com a
suas características e; (g) Se os resultados do experimento podem ser
generalizados em condições não avaliadas pelas pesquisas clínicas e com que
margem esperada de risco.
CB - Qual a aplicabilidade da avaliação nos sistemas de saúde?
AM – A avaliação econômica em saúde serve para apoiar a tomada de decisão dos gestores em saúde ao comparar diferentes processos em termos de custos e resultados em saúde, permetindo escolher a melhor alternativa para um mesmo objetivo clínico ou terapeutico. Com isso, ela possibilita melhorar os retornos (econômicos e sanitários) dos recursos investidos no setor.
CB - Qual a aplicabilidade da avaliação nos sistemas de saúde?
AM – A avaliação econômica em saúde serve para apoiar a tomada de decisão dos gestores em saúde ao comparar diferentes processos em termos de custos e resultados em saúde, permetindo escolher a melhor alternativa para um mesmo objetivo clínico ou terapeutico. Com isso, ela possibilita melhorar os retornos (econômicos e sanitários) dos recursos investidos no setor.
CB - O que precisa
melhorar no processo de avaliação?
AM – A principal deficiência no Brasil é a falta de uma cultura de
custos e resultados nos sistemas de saúde. Com isso, faltam informações para a
realização sistemática de anáses econômicas em saúde e, ao faltar informações,
faltam também análises, recursos humanos e gestores especializados no uso
destas informações para o alcance dos resultados e minimização de custos. A
falta de uma cultura de custos e resultados se associa a falta de incentivos
econômico. As formas pelas quais se baseiam a maioria dos processos de
remuneração em saúde estão centradas no pagamento por volume (como é o caso da
AIH) e não em valor. É necessário reverter essa cultura e criar um sistema onde
a remuneração esteja associada aos resultados. O sistema de remuneração baseado
em valor (value based health care) pode ser uma alternativa para a busca de
maior eficiência e para a criação de uma cultura de análise econômica do setor.
Sugiro a todos visitar o site do IBRAVS –
Instituto Brasileiro de Valor em Saúde ( https://www.ibravs.org/) onde um grupo de pessoas está se organizando
no Brasil para auxiliar as instituições públicas e privadas de saúde que
queiram mudar esta cultura.
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