sábado, dezembro 29, 2018

Entrevista sobre Analise Econômica e Farmacoeconomia

Ano 12, Número 91, Dezembro de 2018

No dia 7 de dezembro de 2018, Cristina Balerini, jornalista da Editora Phoenix, solicitou-me uma entrevista sobre econmia em saúde e modelos de avaliação econômica. Estou reproduzindo, nesta postagem, a íntegra da entrevista que basicamente se concentra nos temas de Análise Econômica e Farmacoeconomia. Boa leitura.






Cristina Balerini (CB) Quais são os principais modelos de avaliação econômica em saúde?

Andre Medici (AM) Não existem principais modelos. As necessidades de avaliação estão em aberto e novos modelos e alternativas tem sido criados ao longo do tempo, a depender da natureza destas necessidades. Portanto, é necessário, antes de tudo, definir com claridade a pergunta que se quer fazer antes de utilizar a forma de análise econômica mais adequada. Análises econômicas em saúde podem envolver temas de benefício-custo ou a relação entre os resultados financeiros e os custos envolvidos; eficiência-custo ou a avaliação da produtividade física de uma técnica em relação ao seu custo; utilidade-custo, a qual tem sido pouco utilizada mas pode ser relevante em aspectos de farmacoeconomia que incluam análises direcionadas para medir anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) e análises de efetividade-custo, que medem o resultado final em termos de melhoria das condições de saúde relacionados ao custo incorrido em todo um determinado tratamento. Em geral, as análises de efetividade-custo, ou custo-efetividade, como é mais comumente dito na literatura, são as mais frequentes no caso da saúde.  


A análise custo-efetividade busca avaliar, por exemplo, cual a efetividade clínica de um medicamento novo em relação ao seu custo. A efetividade pode ser medida de várias formas. Podem ser utilizados indicadores, tais como número de mortes evitadas, número de casos curados, número de anos de vida ajustados pela qualidade ou discapacidade perdidos que são evitados, tempo e permanência da cura, grau de sofrimento durante a cura, ou qualquer outro parâmetro de efetividade que se queira utilizar, em relação ao custo incorrido. A maioria das análises medem os efeitos da relação custo-efetividade de um novo medicamento, de uma nova técnica, de num novo prodecimento ou de um novo diagnóstico em relação a um medicamento ou processo clínico previamente existente para atingir o mesmo resultado. Menor custo para uma mesma efetividade ou mesmo custo para uma efetividade maior são evidências de que o novo medicamento ou procedimento é melhor.  

As análises custo-efetividade podem ser sofisticadas e necessitam a utilização de modelos matemáticos, tais como modelos dinâmicos, cadeias de Markov, árvores de decisão, simulação de eventos discretos e outros. Mas a escolha dos modelos que serão utilizados depende de uma série de circunstâncias, tais como o que ser quer obter com o estudo, ou o que se quer avaliar de forma clara, quais são os potenciais beneficiários, qual as informações disponíveis para realizar o estudo e sua confiabilidade, em que período de tempo o estudo estará contido, qual a taxa de desconto a ser utilizada na análise dos benefícios ou resultados, e uma medida do grau de incerteza provável do resultado, a partir de uma análise de sensibilidade.


CB - Atualmente, qual papel tem desempenhado o profissional de saúde neste contexto de farmacoeconomia?  



AM - A farmacoeconomia é um ramo da economia da saúde que tem por objetivo analisar os resultados do uso de um determinado medicamento em terapias, assim como os custos derivados da introdução ou uso deste medicamento para os pacientes e para os sistemas públicos ou privados de saúde. Questões aparentemente simples como qual o melhor medicamento para tratar uma determinada doença em relação ao seu custo muitas vêzes exigem estudos complexos para obter uma resposta clara e o profissional de farmaco-economia é aquele que vai desenvolver os estudos e técnicas para dar estas respostas, buscando analisar suas diversas nuances, como os custos associados aos efeitos da medicação na qualidade de vida do paciente, e o tempo de sobre-vida com qualidade que o paciente teria com o uso deste medicamento.
As respostas fornecidas pelos profissionais de farmacoeconomia a estas questões permitem, do ponto de vista dos governos e planos de saúde, saber se podem adotar ou não determinado medicamento em suas listas de procedimentos e, do ponto de vista da empresa farmacêutica, tomar a decisão sobre e vale a pena desenvolver este medicamento, continuar ou descontinar sua produção, assim como outras decisões estratégicas.  


CB - Existe a preocupação com o custo x qualidade? O profissional entende a importância e sabe avaliar custos e efetividade? 

AM - Sim. Profissionais de farmacoeconomia procuram estabelecer qual a melhor opção terapeutica para uma determinada doença sob o ponto de vista da qualidade e custo, ou seja, aquela que permite a racionalização da aplicação dos recursos com ganhos de qualidade de vida para o paciente e resultados positivos para a organização dos serviços de saúde.

A efetividade de uma opção terapeutica é aquela que permite a melhor combinação para um paciente viver mais com o exercício pleno de suas capacidades e desfrutando, de forma confortável, as oportunidades que a vida lhe confere. Em economia da saúde, uma das medidas utilizadas para medir a efetividade são os anos de vida perdidos por discapacidade (DALY), que podem estar associados a mortalidade precoce (YLL), ou seja, uma doença pode levar uma pessoa à morte prematura, ou podem estar associados a morbidade (YDL), ou seja uma pessoa poderá ter uma qualidade de vida ruim por ter uma doença em aspectos como não poder se movimentar, ter que viver com dor permanente ou com incapacidades diversas ou ter ainda perda de capacidade cognitiva. Portanto, a efetividade de uma opção terapeutica, simplificando várias coisas, é a medida que permite avaliar se, ao menor custo possível, será minimizado o número de YLL e YDL perdidos pelos indivíduos e pela sociedade.




No entanto, cabe sempre a pergunta de qual será o custo de prolongar a vida de um paciente por um determinado tratamento e se tal custo é justificavel, sobre os aspectos clínicos e de qualidade de vida. A este tema, vale responder que  tudo depende de como a sociedade valoriza a vida dos individuos (e sua qualidade de vida) e qual os recursos disponiveis para pagar por este valor.


Existe um ditado de que a vida é um valor sem preço. Mas existe um custo máximo que cada sociedade pode suportar para pagar por ela. Países desenvolvidos tem mais recursos para pagar por terapias inovadoras que prolongam a vida. Estas demoram a chegar e a estar acessíveis aos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento (pelo menos no setor público). No entanto, podem chegar futuramente a um custo menor, dado que o custo inicial de amortizar a pesquisa para as novas tecnologias costuma ser pago inicialmente pelas populações dos países desenvolvidos e estas tecnologias, quando chegam aos países em desenvolvimento, podem estar descontadas destes custos de recuperação dos investimentos realizados para disponibiliar estas novas tecnologias, dado que as populações dos países mais ricos pagam mais caro mais são as primeiras a se beneficiar. 


CB: Quais os riscos para a saúde pública e privada da não realização de uma avaliação econômica eficaz ou de uma avaliação pouco robusta? 

AM – No caso da saúde pública, avaliações de tecnologia de saúde (ATS) são um campo obrigatório de ação (direta ou indireta) dos Ministérios da Saúde, permitindo avaliar quais os medicamentos que compõe ou que podem ser incorporados ou atualizados como melhores alternativas para a formulação de listas de medicamentos para os programas públicos de saúde. O risco de não realizar estas avaliações de tecnologia, seja diretamente, seja com base em protocolos ou referências internacionais validadas, é aprovar tratamentos pouco eficazes ou até mesmo aumentar o risco dos pacientes com os tratamentos existentes.

No caso dos planos de saúde, quando estes não seguem as normas públicas, devem também ter mecanismos (proprios ou referenciais) de considerar estes critérios. Vale tanto para o setor público como para o setor privado, a consideração sobre os benefícios das análises de sensibilidade e dos princípios do uso racional de medicamentos, incluindo temas como os quesitos de segurança clínica, eficácia (incluindo o processo de gestão) e correspondentes análises de qualidade em relação aos seus custos.


Riscos de saúde associados a não seguir os criterios de farmacoeconomia no uso racional de medicamentos, tanto para o setor público como para os planos de saúde podem ser: (i) incorrer em custos desnecessários e portanto reduzir a eficácia e a eficiência do tratamento; (ii) não gerar os resultados positivos esperados no tratamento dos pacientes e portanto aumentar o custo do uso dos medicamentos em relação à sua efetividade clínica. Do ponto de vista econômico, para o setor público isto pode ser uma fonte de desequilíbrios e ineficiências orçamentárias e para os planos de saúde uma fonte de perdas de lucratividade ou aumento desnecessário de custos para os segurados.


As empresas farmacêuticas, como já foi dito, são as mais interessadas nos estudos de farmacoeconomia para garantir a segurança dos retornos econômicos de suas pesquisas clínicas. Assim, desde as fases preliminares de desenvolvimento de um novo medicamento, farmacoenomistas deveriam estar debruçados para explorar que benefícios seriam gerados em relação aos custos incorridos comparados com as terapias atualmente existentes para problemas identificados de saúde. No caso de medicamentos para doenças em tratamento, a medida de efetividade seria a comparação de quantos casos podem ser curados ou melhorados sobre o total de casos testados com os medicamentos novos e os medicamentos existentes.

CB: Quais perguntas devem ser respondidas na avaliação econômica?

AM: A primeira pergunta a ser feita é que decisões a maioria dos serviços de saúde ou os médicos tem utilizado para receitar um medicamento ou propor uma terapia? Estou certo de que em grande medida elas não passam por critérios econômicos, e quando se considera o tema da eficácia clínica, os custos são em geral descartados como um aspecto secundário, porque o governo ou o plano (e ainda o paciente) acabam pagando.

As perguntas associadas a avaliação econômica (e a farmacoeconomia em particular) podem ser divididas em aspectos macro e micro. Do ponto de vista macro, cabe perguntar (a) quais os custos monetários de uma doença vis-a-vis os custos de lançar um medicamento novo que permita um tratamento mais efetivo, mesmo que comparado aos medicamentos já existentes? (b) Como utilizar os princípios do uso racional de medicamentos na escolha de uma lista de medicamentos para governos ou instituições assistenciais ou de seguro de saúde?


Do ponto de vista micro, boa parte do desenvolvimento da farmacoeconomia é indissociável ao desenvolvimento da pesquisa clínica farmacêutica. Neste particular os métodos  para a avaliação farmacoeconômica estão estabelecidos há quase duas décadas e o número de países e instituições que exigem avaliações econômicas para a tomada de decisões quanto ao registro ou reembolso de medicamentos tem crescido, mas ainda cabe perguntar sobre o real impacto destas análises nos custos dos medicamentos e fazer uma análise mais detalhada sobre os resultados.


As principais perguntas do ponto de vista micro são relacionadas a: (a) se os métodos utilizados na pesquisa clínica são válidos; (b) Se a análise de efetividade em relação aos custos inclui todas as alternativas possíveis; (c) Se os custos e resultados clínicos são adequadamente medidos e avalidados; (d) Se a análise de sensibilidade foi feita com critérios adequados; (e) Se as linhas de base para os custos e resultados (no caso de não tratamento) foram medidas adequadamente; (f) Se existem variações dos custos e resultados (ou custos incrementais) entre grupos e sub-grupos populacionais, de acordo com a suas características e; (g) Se os resultados do experimento podem ser generalizados em condições não avaliadas pelas pesquisas clínicas e com que margem esperada de risco.

CB - Qual a aplicabilidade da avaliação nos sistemas de saúde?

AM – A avaliação econômica em saúde serve para apoiar a tomada de decisão dos gestores em saúde ao comparar diferentes processos em termos de custos e resultados em saúde, permetindo escolher a melhor alternativa para um mesmo objetivo clínico ou terapeutico. Com isso, ela possibilita melhorar os retornos (econômicos e sanitários) dos recursos investidos no setor.

CB - O que precisa melhorar no processo de avaliação?

AM – A principal deficiência no Brasil é a falta de uma cultura de custos e resultados nos sistemas de saúde. Com isso, faltam informações para a realização sistemática de anáses econômicas em saúde e, ao faltar informações, faltam também análises, recursos humanos e gestores especializados no uso destas informações para o alcance dos resultados e minimização de custos. A falta de uma cultura de custos e resultados se associa a falta de incentivos econômico. As formas pelas quais se baseiam a maioria dos processos de remuneração em saúde estão centradas no pagamento por volume (como é o caso da AIH) e não em valor. É necessário reverter essa cultura e criar um sistema onde a remuneração esteja associada aos resultados. O sistema de remuneração baseado em valor (value based health care) pode ser uma alternativa para a busca de maior eficiência e para a criação de uma cultura de análise econômica do setor. Sugiro a todos visitar o site do IBRAVS –  Instituto Brasileiro de Valor em Saúde ( https://www.ibravs.org/) onde um grupo de pessoas está se organizando no Brasil para auxiliar as instituições públicas e privadas de saúde que queiram mudar esta cultura.







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