Ano 18, No. 130, Janeiro de 2023
André Medici
Feliz ano novo?
Esta postagem mostra que o ano de 2022 não foi
fácil para a saúde global e brasileira e que ambas continuarão a ser problemáticas
em 2023. Os desafios mostram uma dependência crescente entre a economia mundial
e a performance do setor saúde. Envelhecimento populacional, ameaças aos
regimes democráticos, extremismos ideológicos, desigualdades econômicas e
sociais, populismos autoritários tentando travestir-se de democracias,
promessas idílicas para os pobres sem bases estratégicas e evidências para
tornarem-se realidade, guerras dispendiosas, sangrentas e intermináveis e
crises de governabilidade reduzem as possibilidades de uma recuperação vigorosa
da economia mundial e poderão trazer fortes consequências negativas para uma
boa performance do setor saúde.
A economia mundial e brasileira em 2022 e
perspectivas para 2023
Ao longo de 2022, a economia mundial teve um
crescimento menor do que o esperado e a inflação foi a maior das últimas
décadas, trazendo aumentos no custo de vida e aperto creditício, com a elevação
das taxas de juros na maioria dos países. A esperada recuperação pós-pandemia
não ocorreu no ritmo desejado, em função dos altos custos trazidos pela injustificável
guerra entre Rússia e Ucrânia e pelo surgimento da variante ômicron, que trouxe
as mais elevadas taxas de infecção de toda a trajetória pandêmica ao longo dos
primeiros meses de 2022, com efeitos graves na economia dos países de renda
elevada e média.
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI)[1],
o crescimento econômico mundial de 6,0% em 2021 irá desacelerar-se para 3,2% em
2022 e para 2,7% em 2023, com pelo menos um terço da economia mundial em
recessão. A inflação global deverá subir de 4,7% em 2021 para 8,8% em 2022, mas
poderá cair para 6,5% em 2023 e para 4,1% em 2024, ainda que o FMI não
tenha atualizado suas projeções com base no que ocorreu no último trimestre
de 2022. As taxas de juros aumentarão de uma média de 1,8% e -0,2% nos mercados
norte-americano e europeu em 2022 para algo em torno de 4,0% e 0,8% nestes mesmos
mercados em 2023.
De todos os modos, serão necessárias, não
apenas uma política monetária apertada, mas reformas estruturais que permitam
controlar a inflação, melhorar a eficiência e a produtividade e diminuir as
restrições na oferta em boa parte dos países de alta e média renda. As mudanças
climáticas exigirão novos padrões de consumo de energia e a transição para uma
economia verde que permita prevenir e, em alguns casos reverter, os desastres
naturais e humanitários que têm ocorrido como resultado da mudança do clima e da
degradação ambiental.
A China – um dos pilares do crescimento da
economia global – depois de um incrível crescimento médio de sua renda
per-capita de 9,7% ao ano no período 2004-2013, reduziu suas taxas de
crescimento médio para 6,3% entre 2014 e 2019 – muito acima da média anual da
economia mundial no mesmo período (2,1%). Em 2020, a China foi um dos poucos países
com crescimento positivo de sua renda per-capita (2.1%), voltando a crescer 8,0%
em 2021. Mas as projeções do FMI indicam que em 2022 e 2023 este crescimento será
bem menor, estando estimado em 3,2% e 4,5%, respectivamente.
Uma retrospectiva do que ocorreu na economia
mundial e no Brasil, nas últimas duas décadas, pode trazer uma perspectiva do que
poderá ocorrer em 2022 e 2023. Os gráficos 1 e 2 mostram a evolução real da
renda per-capita mundial e brasileira (em dólares associados a paridade do
poder de compra) entre 2004 e 2021 e as perspectivas para 2022 e 2023.
Verifica-se, no gráfico 1, que a renda per-capita
da economia brasileira cresceu a uma taxa média de 3.0% entre 2004-2013, enquanto
a da economia mundial cresceu apenas a 2,5% no mesmo período. Esse processo levou
o Brasil a tomar a dianteira no crescimento entre muitas economias emergentes,
colocando o país numa situação favorável, expressa, como vocês devem se lembrar,
na capa da revista “The Economist”, edição de 12 de Novembro de 2009, que
mostra o Cristo Redentor decolando (Brazil takes off). Mas os dez anos
que se seguem não mantiveram essa tendência. A renda per-capita da economia
mundial passou sistematicamente a crescer a taxas superiores à da economia
brasileira, situação que deverá se prolongar até 2023.
O gráfico 2 mostra, em números índices, o que
aconteceu (e poderá acontecer ainda) com a renda per-capita mundial e
brasileira entre 2014 e 2023. Verifica-se que entre 2013 e 2019 a renda per-capita
mundial cresceu 13% enquanto a renda per-capita do brasileiro sofreu uma queda
de 7%. Mesmo em 2020 – o primeiro ano da pandemia – o decréscimo da renda per
capita mundial foi menor do que o ocorrido no Brasil (-4,1% comparado com
-4,6%, respectivamente).
No primeiro ano de recuperação da pandemia
(2021) a renda per capita mundial aumentou 5,4% enquanto a renda per capita
brasileira aumentou apenas 4,2%. As projeções para 2022 e 2023 indicam que a
renda per capita brasileira crescerá apenas 2,2% e 0,4%, enquanto a renda per
capita mundial aumentará 2,4% e 1,6% ao longo destes dois anos,
respectivamente.
Fonte: FMI-World Economic Outlook, Outubro de 2022. Os dados originais foram calculados em dólares constantes de 2017 com paridade do poder de compra.
Portanto, no frigir dos ovos, se pode dizer que
entre 2013 e 2023, mesmo com a pandemia, a renda per capita mundial está
projetada para crescer 17,1% enquanto a renda per-capita brasileira deverá apresentar
uma queda acumulada de -5,1%, ao longo deste período, com base nas projeções do
FMI de outubro de 2022.
Nenhum país merece uma queda tão prolongada
de sua renda per-capita, e consequentemente do padrão de vida de seu povo, em um longo período
de dez anos. Mas o que ocorreu no Brasil foi o resultado de poucas opções e más
escolhas eleitorais e, também, do referendo (ora incompetente, ora inescrupuloso)
das autoridades em todas as esferas e níveis de governo a políticas econômicas,
sociais e ambientais equivocadas. A revisão dos estatutos jurídicos sobre a
condução de processos legais e a tolerância no uso de conceitos distorcidos de ética
e probidade no uso dos recursos públicos acabaram detonando os orçamentos governamentais,
com a redução dos instrumentos legais que poderiam corrigir os problemas
existentes e prevenir que outros similares (ou até piores) venham a surgir.
Este rosário de malfeitos poderá continuar a trafegar a esburacada, lenta e perigosa
estrada que leva a população brasileira ao seu destino ainda incerto nos
próximos anos.
O legado não inventariado da pandemia
Em 2022 a incidência do Covid-19 continuou a
dominar o cenário dos principais problemas mundiais, apesar da clara tendência à
redução do número de casos e de mortes associadas à pandemia. A dominância do
Covid-19 derivou do fato de que muitos dos problemas enfrentados pelo setor
saúde, ao nível mundial, continuam associados às consequências econômicas,
sociais, epidemiológicas e demográficas trazidas pela pandemia no cenário
global.
No final de 2022, as atenções se voltam para a
China, que passa a ser vitimada por um poderoso ciclo de crescimento da
pandemia decorrente de erros logísticos e organizacionais, como longos
lockdowns, baixas taxas de vacinação, especialmente entre idosos, e
inconsistência nas medidas regulatórias em relação ao controle social da
endemia[2].
É possível que este fato, como colocado em nossa postagem anterior, venha a
trazer consequências para o mundo inteiro pela geração e disseminação de novas
variantes que deverão surgir em um país que poderá apresentar milhões de casos
diários de Covid-19 sem possibilidades de tratamento.
Desde fins de dezembro de 2022 a China deixou
de registrar novos casos de Covid-19 num momento em que a pandemia atinge taxas
diárias de infecção estimadas em milhões, mas não confirmadas pelas autoridades
do país. As consequências de curto prazo estão no esgotamento das vagas em
hospitais, no excesso de mortalidade e na falta de capacidade dos necrotérios e
cemitérios em receber e enterrar os mortos, bem como em um crescimento
econômico muito baixo em relação à média histórica do país ao
longo da década passada.
Mas mesmo fora da China, em outubro de 2022, surge
a variante ômicron XBB.1.5, identificada inicialmente em Singapura e na Índia,
mas presente em dezembro deste ano em mais de 30 países, de acordo com os
registros da Organização Mundial da Saúde (OMS). Sendo a mais transmissível das
variantes da ômicron, ela já representa mais de 40% dos novos casos de Covid-19
nos Estados Unidos, num momento em que o número de casos e as taxas de
hospitalização está crescendo rapidamente.
Como decorrência da pandemia, a esperança de
vida, ao nível mundial, se reduziu em muitos países desde 2020, embora ainda
não existam dados que permitam realizar uma estimativa sólida global de todos
os efeitos sobre a mortalidade trazidos pela pandemia. Estudo realizado pela
Universidade de Oxford, no Reino Unido[3],
estima que a redução da expectativa de vida nos dois primeiros anos da pandemia
tenha sido a maior desde a segunda guerra mundial. Em 27 dos 29 países
pesquisados neste estudo a redução de expectativa de vida foi uma decorrência
direta ou indireta da pandemia. A redução direta ocorreu em função da própria
mortalidade trazida pela Covid-19 e a indireta pelas consequências da pandemia
na redução dos atendimentos médicos que levaram ao excesso de mortalidade por
doenças crônicas, ao aumento de distúrbios mentais (como o consumo de drogas[4]),
às sequelas de um conjunto de efeitos negativos à saúde, conhecido como
“Covid-Longa”, à deterioração das condições de vida dos mais pobres e a outras
consequências que precisariam ser mais bem quantificadas e estudadas.
Para exemplificar, pode-se notar que nos
Estados Unidos, a expectativa de vida ao nascer, que havia alcançado 78,8 anos
em 2019, caiu para 77,0 anos em 2020 e para 76,4 anos em 2021. Em 2022 ainda
não existem dados fechados e, como o número de mortes por Covid-19 sofreu substancial
redução, é possível que a esperança de vida tenha voltado a crescer. Mas uma
redução da expectativa de vida em dois anos consecutivos naquele país, como a
ocorrida entre 2019 e 2021, somente havia sido registrada na história recente no
período da gripe espanhola[5].
No Brasil, estudos realizados pelo
CEDEPLAR-UFMG[6] calcularam, somente em 2020, uma redução de
quase dois anos na expectativa de vida dos brasileiros como reflexo do excesso
de mortalidade trazido pela Covid-19, indicando que, uma vez computados os
dados de 2021 e 2022, os resultados poderão indicar uma redução ainda maior na
expectativa de vida como resultado do excesso de mortalidade trazido pela
pandemia.
Como já destacado na postagem anterior deste
blog, o Brasil foi um dos países que apresentou uma mortalidade
desproporcionalmente alta como resultado da Covid-19, em comparação com outros
países, em função do comportamento negacionista de parte das autoridades
públicas, do baixíssimo nível de testes para detecção de casos e dos atrasos na
compra e aplicação de vacinas.
A verdade é que a pandemia do Covid-19 afetou
substancialmente o modo de vida da população mundial com efeitos negativos que
vão muito além da simples mortalidade e redução da expectativa de vida. Entre
eles, os efeitos econômicos já mencionados nos países de renda alta e média, refletidos
em excessos de gastos públicos para fazer frente às quedas acentuadas da renda
per-capita, na rentabilidade das empresas e na descontinuidade no abastecimento
das cadeias produtivas. Seguiram-se choques inflacionários que, como visto, ecoam
até hoje, os quais serão difíceis de sanar a curto prazo dados os elevados
graus de endividamento público, e os choques de oferta de produtos essenciais
como energia e alimentos.
Tendências do Setor Saúde em 2023 no Mundo e no
Brasil
Efeitos da Pandemia na Prestação de Serviços: Os efeitos da pandemia ainda trouxeram,
entre 2020 e 2022, fortes desajustes na continuidade da prestação de serviços,
no esgotamento físico e mental e na escassez de pessoal de saúde, na ruptura
das cadeias de suprimentos, medicamentos e equipamentos. Hospitais e planos de
saúde sofreram margens flutuantes ou decrescentes em seus rendimentos e tem
dificuldades de encontrar um equilíbrio para atender a demanda contida por
atendimentos médicos, exames e medidas de prevenção e controle durante os anos
de pandemia. Parte destes problemas estarão presentes em 2023 e todos devem ter
a consciência do que serão necessárias reformas na administração dos sistemas
de saúde públicos e privados para enfrentá-los.
Para exemplificar, no Brasil, entre janeiro de
2018-junho de 2019, e janeiro de 2020-junho de 2021, o número de internações do
SUS se reduziu em 17,8 milhões para 16,0 milhões em grande medida, como decorrência
de cirurgias eletivas canceladas ou pela ocupação dos hospitais com leitos para
o Covid-19[7].
Ações de promoção e prevenção se reduziram 35% e procedimentos com finalidade
diagnóstica se reduziram 13%. Procedimentos clínicos se reduziram 27% e
procedimentos cirúrgicos ambulatoriais 53%. Transplantes de órgãos e tecidos
apresentaram uma redução de 20%, no mesmo período.
Portanto, os períodos em que ocorreram os
maiores volumes de óbitos por Covid-19 coincidem com os de maiores volumes de
óbitos por outras causas, e com os menores volumes de atendimentos para causas
não Covid-19, denotando claramente uma sobre mortalidade e um sub atendimento por
doenças crônicas em decorrência dos problemas na utilização da rede regular do
SUS durante a pandemia. A queda em ações de promoção e prevenção, as quais já
apresentavam redução antes da epidemia, se intensificou durante a incidência
elevada de Covid-19, agravando o quadro de doenças crônicas e o represamento
dos atendimentos no SUS. Isto influenciou diretamente o crescimento de óbitos
por outras causas, e trouxe dificuldades para a retomada
dos atendimentos do SUS que necessitarão de investimentos para alcançar os
níveis pré-pandêmicos.
Os dados completos do SUS ainda não estão disponíveis
para o ano de 2022, mas provavelmente deve ter havido uma recuperação de alguns
serviços com a redução das taxas de incidência pandêmica. Mas este retorno ainda
é insuficiente para a retomada do nível de normalidade de atendimento às demandas
populacionais relacionadas a internações e atividades ambulatoriais do SUS.
Portanto, em 2023 ainda há uma enorme demanda insatisfeita com atendimentos
hospitalares e ambulatoriais do SUS que deverá demandar recursos, pessoal e
capacidade instalada para satisfazer as necessidades da população da maioria dos estados brasileiros.
Inflação em Alta e Mudanças Regulatórias nos
Planos de Saúde:
Com a elevação das taxas de inflação, o setor saúde deverá ser fortemente
afetado pelos preços dos insumos, da força de trabalho, dos medicamentos,
exames e demais serviços em 2023. Os preços dos seguros e planos de saúde poderá
impactar o custo de vida levando famílias a perderem seus seguros e, dessa
forma, atrasarem os cuidados de rotina e exames, afetando negativamente os
resultados de saúde.
No Brasil, em particular, um tsunami de normativas,
tais como redefinições nas fórmulas de reajustes dos planos individuais de
saúde, mudanças no rol de procedimentos da ANS (de taxativo para
exemplificativo) fim das restrições de serviços associados a terapias, aumento
do número de terapias orais para o câncer e outros, deverão impactar o funcionamento das
operadoras de planos de saúde.
A criação de um piso salarial para enfermagem,
num momento em que os hospitais privados e os públicos estaduais e municipais se
encontram limitados para o pagamento de aumentos salariais, também poderá
aumentar fortemente a inflação setorial, ficando, no caso dos planos de saúde, cada
vez mais difícil transferir os aumentos de custos para o valor dos prêmios de
seguros, e no caso do SUS, a obtenção de recursos orçamentários para o
pagamento dos aumentos salariais de enfermagem em seus hospitais próprios ou
contratados.
E tudo isto acontece num ano onde os planos de
saúde já acumulam prejuízos operacionais de R$5,5 bilhões no terceiro trimestre
de 2022. De acordo com os dados da ANS os planos de saúde já apresentam
resultados negativos em suas receitas ao longo de seis semestres consecutivos,
com uma sinistralidade que já ultrapassou os 90%[8].
Mesmo assim, o número de pessoas com acesso a planos de assistência médica voltou
a ultrapassar os 50,1 milhões, retomando o contingente de segurados registrado
em 2014 antes da crise que levou a uma forte redução no número de beneficiários
dos planos de saúde.
Depois dos prejuízos verificados em 2022, é
esperado que os planos comecem a se estruturar para aumentar sua rentabilidade
em 2023, mas o tsunami regulatório poderá trazer surpresas que impactarão muito
o setor, obrigando-o a aumentar sua eficiência e reduzir seus custos para alcançar
esses objetivos. Portanto, os resultados são ainda bastante incertos.
Redução das Margens de Rentabilidade:
Muitos sistemas de saúde, ao
nível mundial, sofreram reduções de receitas durante e no pós-pandemia e ainda
não recuperaram os níveis pré-pandêmicos. Com o aumento dos custos de
suprimentos e mão de obra, 2022 pode acabar sendo um dos piores anos nas
finanças dos hospitais privados ao longo das últimas décadas. A receita dos
hospitais e sistemas de saúde tem sido afetada pela inadimplência dos pacientes,
maiores glosas dos seguros de saúde e atrasos nos atendimentos. Um número
crescente de pacientes está mudando para centros ambulatoriais em vez de
hospitais na busca por procedimentos não emergenciais que lhes representem, não
apenas maior comodidade, mas também menores custos.
Nos Estados Unidos, as margens operacionais
médias dos hospitais e sistemas de saúde caíram 46% em setembro de 2022 em
comparação com o mesmo mês do ano anterior. Essa compressão de margens pode não
ser sustentável para muitos hospitais, especialmente organizações pequenas e controladas
localmente. Como resultado, alguns hospitais podem sofrer processos de
concentração, serem vendidos ou forçados a fechar suas portas.
No Brasil, os indicadores da Associação Nacional
dos Hospitais Privados (ANAHP) mostram uma tendência à redução das margens de
rentabilidade. A margem EBTIDA dos hospitais da ANAHP no período janeiro e
agosto de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021, se reduziu de 13,3%
para 12,5%[9].
Associado a isso, observa-se um aumento do volume de glosas como porcentagem das
receitas (de 3,6% para 4,9%) e um aumento nos prazos de recebimento das faturas
hospitalares (de 68 para 75 dias), no mesmo intervalo de tempo. Se o tsunami de
medidas regulatórias apertar ainda mais, as margens de rentabilidade dos planos
de saúde em 2023 e outros indicadores correlatos poderão apresentar uma deterioração
ainda maior.
Digitalização da Saúde: Com o aumento das taxas de juros,
as organizações de saúde poderão ter dificuldades para fazer empréstimos destinados
a modernizar sua tecnologia e adotar as transformações digitais. De acordo com pesquisa
realizada pela empresa de consultoria Deloitte, cerca de 29% de dirigentes
do setor saúdem disseram que a transformação digital provavelmente terá um
grande impacto na estratégia de sua organização em 2023, mas 63% consideram que
terá um efeito moderado. Entre os executivos de planos de saúde, no entanto,
espera-se que a transformação digital acelerada tenha um “grande impacto” (43%)
ou um “impacto moderado” (50%) em 2023.
No Brasil, a pandemia avançou, por questões de
necessidade, o uso da telemedicina e da telessaúde de forma muito rápida, mas
com as restrições de rentabilidade, crédito e inflação, dificilmente se poderá
esperar investimentos de grande porte no setor em 2023. A maioria dos
dirigentes, tanto no setor público como no privado, não decidiram se realizarão
investimentos ou de onde sairão os recursos que necessitam para fazê-los.
VBHC e novos modelos de remuneração:
Já faz alguns anos que se fala em mudanças nos modelos de pagamento em
saúde, tendo em vista a transição de sistemas de remuneração por serviço para
remuneração por valor e resultado (Value Based Health Care ou VBHC). Mas
os avanços, até o momento, têm sido muito tímidos e se limitam a poucas experiências.
A transição para novos modelos de pagamento via VBHC se anuncia como a principal prioridade entre os executivos de planos de saúde privados, mas eventuais restrições financeiras em 2023, associadas ao tsunami regulatório na saúde suplementar e a uma eventual continuidade na redução das margens de rentabilidade dos hospitais privados, poderão trazer dificuldades para que os planos de saúde, como pagadores, negociem estes processos. Eventualmente, seguros de saúde verticalizados, com suas próprias redes, terão mais graus de liberdade para negociar e implementar estes modelos. Mesmo assim, isso ocorrerá, provavelmente, de forma limitada. Hospitais e sistemas de saúde, por outro lado, estarão mais focados em aumentar suas margens em 2023. Isso pode dificultar que os planos de saúde venham a convencer os provedores vinculados a suas redes para que aceitem novos modelos de pagamento e remuneração num ambiente de incerteza.
[1] International Monetary Fund -
IMF (2022), World Economic Outlook – October 2022”, Ed. IMF, Washington
(DC), 2022.
[2] Este blog fará, em breve, uma
postagem sobre o caso da Covid-19 na China com base em relatos de pessoas que
vivem naquele país, apresentando informações desconhecidas para quem não vive o
dia a dia da população chinesa. Para acessar a postagem anterior, use o link: https://monitordesaude.blogspot.com/2022/12/
[3] Schöley, et al (2022), Life
expectancy changes since COVID-19, in Nature Human Behavior 2022
Dec;6(12):1649-1659. Doi: 10.1038/s41562-022-01450-3. Oct 17, 2022. Link: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36253520/
[4] Somente nos Estados Unidos
ocorreram 107 mil mortes por consumo de drogas em 2021 (número 50% maior do que
2019), das quais quase 40% associadas ao opioide conhecido como fentanyl.
Os dados indicam que em 2022 esse número deverá ser ainda maior.
[5] Nos EUA a pandemia de influenza diminuiu
a expectativa de vida de 54,0 para 47,6 anos num período de 6 anos (entre 1918
e 2024). Ao longo de dois anos (entre 2019 e 2021) o COVID-19 reduziu a
expectativa de vida norte-americana em cerca de 78.8 para 76.4 anos. Nesse
sentido, enquanto a gripe espanhola reduziu a expectativa de vida a uma taxa de
2,1% ao ano, a Covid-19, até o momento, reduziu a esperança de vida a uma taxa
de 1,5% ao ano.
[6] Ver
Castro, M.C. et al. (2021), Reduction
in the 2020 Life Expectancy in Brazil after COVID-19 in Nature Medicine |
VOL 27 | September 2021 | 1629–1635 | www.nature.com/naturemedicine,
Link file:///C:/Users/medic/Downloads/s41591-021-01437-z%20(1).pdf
[7] O “represamento” do
atendimento em saúde no SUS, Nota Técnica 22, 09 de
novembro de 2021, MonitoraCovid-19 – ICICT / FIOCRUZ, link: https://bigdata-covid19.icict.fiocruz.br/nota_tecnica_22.pdf
[8] O conceito de sinistralidade pode
ser dado pela divisão dos gastos assistenciais e não assistenciais com
beneficiários dos planos de saúde de uma operadora pela sua receita de prêmios
de seguro, multiplicados por 100.
[9] Ver Indicadores Hospitalares
da ANAHP, outubro de 2022, link: https://www.anahp.com.br/pdf/indicadores-out22.pdf
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