Ano 14, Número 108, Junho de 2020
André Cezar Medici
Introdução
Na última terça-feira dia 2 de junho de 2020,
participei de um debate organizado pela Dr. Maisa Kairalla, médica geriatra e
coordenadora da iniciativa do Covid-19 da Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia (SBGG), sobre os impáctos da Pandemia do Covid-19 na economia e na
sociedade, com ênfase na população de terceira idade. Alem da Dr. Maisa,
participaram do debate o Dr. Carlos Uehara, presidente da SBGG e o Dr.
Alexandre Kalashi, ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da
Organização Mundial da Saúde (OMS). Quem quizer ouvir o debate (com duração de cerca
de uma hora) poderá acessá-lo no link https://youtu.be/LlbP4URjjLQ. Como desdobramento deste debate, gostaria de
adicionar algumas considerações e informações sobre a fragilidade da população
de terceira idade na pandemia do Covid-19 e discutir algumas medidas sobre como
proteger esta população.
Desde as primeiras semanas da pandemia, quando
começaram a surgir os dados de mortalidade em Wuhan (China), ficou claro que o
Covid-19 atingiu mais duramente os idosos do que outras faixas etárias. Boa parte
dos fatores explicativos se associam ao fato de que os idosos carregam um maior
nível de co-morbidades do que outros grupos de idade, tais como doenças
cardiovasculares, diabetes ou doenças respiratórias, as quais aumentam o risco
de morte grave pela doença. O gráfico 1, publicado em um artigo recente do the
Lancet mostra como os níveis de multi-morbidade tendem a aumentar com a idade.
1. Percentagem de Pacientes Segundo o Número de
Doenças Crônicas por Grupos de Idade
Fonte: Barnett K, Mercer SW, Norbury M et al. (2012) Epidemiology
of multimorbidity and implications for health care, research, and medical
education: a cross-sectional study. Open Access Published: May 10,
2012 DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60240-2
Adiciona-se a isso o fato que os idosos, em
geral, tem maior fragilidade em seu sistema imunológico o que torna mais
difícil o combate a níveis crescentes da infecção. O envelhecimento traz
alterações progressivas no sistema imunológico tornando-o mais lento para responder
a ameaças virais e propiciando o surgimento de disturbios auto-imunes de forma
a reduzir sua capacidade em detectar e corrigir defeitos celulares e aumentado,
inclusive, os riscos de câncer.
O envelhecimento, e o aumento da expectativa de
vida dele decorrente, foi uma das maiores conquistas da humanidade, na medida
em que resultou dos avanços da saúde pública e da medicina e trouxe maior bem
estar e perspectivas de progresso para a população mundial. Mas o
envelhecimento também amerita o cuidado e a transformação da percepção da
sociedade sobre a fragilidade da terceira idade.
Todos devem estar preocupados com a saúde e o
bem-estar dos idosos, especialmente porque, além de sofrerem maior incidência
de co-morbidades por doenças crônicas e terem seus sistemas imunológicos mais
debilitados, os idosos sofrem outras condições de risco associadas a fatores
sociais. Nos países desenvolvidos, as casas de repouso de idosos tem se tornado
epicentros de mortalidade para o Covid-19 e nos países em desenvolvimento, a
vida em comunidades pobres e favelas onde cohabitam arranjos familiares multi-geracionais,
com numerosos indivíduos vivendo em pequena área e poucos cômodos são os
maiores fatores de risco para a população idosa.
Artigo recente publicado na News Letter
Medical News Today[i]
argumenta que nos Estados Unidos 35% das mortes por Covid-19 estão
associadas a residentes e trabalhadores de instituições de longa permanência,
embora somente 11% dos casos tenham ocorrido no interior destas instituições.
Esta é uma realidade não apenas norte-americana, mas também em outras partes do
mundo desenvolvido, como na Bélgica, no Canadá e na Espanha, onde números
parciais relacionados às mortes por Covid-19 em casas de repouso chegam a
totalizar 53%, 62% e 61% das fatalidades nestes países, respectivamente.
Mesmo no caso de idosos que não residem em
instituições de longa permanência mas moram sozinhos nas grandes cidades,
incluindo em países como o Brasil, há um enorme desafio para evitar que sejam
expostos ao vírus porque, em muitos casos, dependem da ajuda de um membro da
família ou amigo para fazer compras, auxiliá-los em tarefas domésticas, pagar
contas e transporta-los para serviços de saúde ou para a casa de amigos, quando
necessário. O Covid-19 traz o risco de que pessoas assintomáticas ou
pré-sintomáticas (parentes, amigos, auxiliares) possam ser um vetor da endemia
para as populações idosas.
No caso de idosos que vivem em familias
multi-geracionais por não terem renda ou por utilizar seus rendimentos e
propriedades para apoiar familiares, o risco vem, em primeira instância, dos familiares
jovens que estudam ou adultos que trabalham, dado que estes tem contacto regular
com motoristas de ônibus, estudantes, professores ou colegas de trabalho,
frequentando lojas, estabelecimentos comerciais e outros logradouros públicos
de alta densidade demográfica, podendo ser contaminados e apresentar sintomas
leves ou serem assintomáticos.
Nas comunidades pobres ou favelas, mesmo que
haja consciência, não há espaço físico para o isolamento e locais adequados
para higiene, bem como equipamentos de proteção individual que possam separar
os idosos daqueles que estudam ou trabalham e dessa forma manter algum tipo de
distanciamento social com segurança no local onde habitam. Todos estes fatores
estão na raíz do porquê o risco associado ao Covid-19 é maior na terceira idade,
levando à sobre-mortalidade de idosos pela pandemia.
Alguns dados associados a sobre-mortalidade dos
idosos para o Covid-19 nos Estados Unidos.
Ainda que tenha sido gerada uma grande
quantidade de dados associados ao Covid-19 nos últimos seis meses, existe ainda
muita fragilidade e incerteza de informações que impedem uma análise mais
detalhada de fatores como a relação entre o Covid-19 e o envelhecimento. A
precariedade dos registros de casos e mortalidade, com elevados níveis de
sub-registro ou informações incompletas, não permitem uma total e precisa
visualização sobre como a pandemia afeta as pessoas em distintos níveis de
idade. As informações disponíveis permitem esboçar algumas hipóteses sobre o
tema, como será visto a seguir.
Uma das formas de observar a mortalidade por
Covid-19 relacionada a idade é compara-la com outras mortes não relacionadas ao
Covid-19. De acordo com os dados registrados pelo Center for Diseases Control
and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, entre 1º de fevereiro e 30 de maio
de 2020 ocorreram 1,03 milhões de mortes no país, das quais 88,2 mil (8,6%)
foram classificadas como mortes pelo Covid-19. Deste total de mortes por
Covid-19, 80,7% ocorreram entre pessoas com 65 anos e mais de idade. No entanto,
no conjunto de mortes não relacionadas ao Covid-19, 74,9% ocorreram também
neste grupo de 65 anos e mais. Portanto, se pode dizer que há uma
sobre-mortalidade entorno de 6% por Covid-19 neste grupo de idade quando
comparado às demais mortes.
O gráfico 2 mostra as diferenças da mortalidade
proporcional[ii]
por idade para Covid-19 e as demais causas de mortalidade nos Estados Unidos no
período considerado.
Fonte: Elaboração
do autor a partir de dados do CDC
Em linhas gerais, a mortalidade por idade do
Covid-19 acaba reproduzindo um padrão etário muito próximo ao da mortalidade proporcional
geral por idade. Mas como se pode obsevar, a mortalidade proporcional por
outras causas (não Covid-19) nos Estados Unidos tem sido ligeiramente maior do
que a mortalidade proporcional associada ao Covid-19 em todos os grupos de
idade, com excessão do grupo de mais de 65 anos, onde a diferença entre as
taxas de mortalidade proporcional começam a aumentar para o Covid-19,
refletindo, dessa forma, o sobre-peso da mortalidade por Covid-19 nas idades
mais avançadas.
Os dados mostram que o número de
hospitalizações por Covid-19 por 100 mil habitantes também tem sido muito mais
elevado para as populações de idade avançada, como foi observado no conjunto de
casos acumulados dos Estados Unidos até 30 de maio de 2020, conforme demostra o
gráfico 3. Verifica-se que as taxas de hospitalização para a população maior de
65 anos foram duas vezes maiores que as relativas a população de 50 a 64 anos
de idade; quase seis vezes superiores as relativas à população entre 18 e 49
anos e mais de 100 vezes maiores que as da população entre 5 e 17 anos.
Fonte: Elaboração do autor a partir dos dados do CDC
na página https://gis.cdc.gov/grasp/covidnet/COVID19_3.html.
As taxas de hospitalização se referem a população pertinente
a cada grupo etário específico.
O gráfico 4, com dados do início da pandemia,
mostra porcentagens elevadas de hospitalização e de uso de leitos de UTI nos
Estados Unidos em relação ao número de casos, nas idades mais avançadas.
Evidencia também uma elevada letalidade pela pandemia entre os idosos a qual é acima
de 10% na população com mais de 75 anos de idade. No entanto, verifica-se uma
letalidade em torno de 5% entre os grupos de 45 e 64 anos, passando para 8% na
faixa de 66 a 74 anos de idade.
Na medida em que os idosos são naturalmente o
maior grupo de risco para o Covid-19, observa-se, nas primeiras semanas da
pandemia, o crescimento da participação dos idosos entre o total de pessoas
hospitalizadas. Assim, de acordo com os dados do CDC (gráfico 5), entre 14 de
março e 2 de maio de 2020, as pessoas de 65 anos e mais aumentaram de 40,6%
para 48,1% do total de hospitalizações nos Estados Unidos. No entanto, na
medida em que progride a pandemia ao longo do tempo, a comunicação com os
idosos realizada por equipes médicas, associações geriátricas, bem como as
evidências trazidas pela observação das taxas de mortalidade, fizeram com que
essa população tomasse medidas de proteção para reduzir comportamentos de
risco. Assim, entre 2 de maio e 30 de maio de 2020, as hospitalizações desse
grupo se reduziram de 48,1% para 39,4% do total de hospitalizações.
Analogamente, o grupo da população em idade
ativa (18 a 49 anos) reduz inicialmente sua participação no total de
hospitalizações, mas por pressões de trabalho e outros fatores, continua exposto
ao risco em função de menor grau de adesão às regras de distanciamento social. Assim,
acabam aumentando seus níveis de contaminação e necessidades de hospitalização.
Essa população que respondia por 20.8% do total de internações hospitalares na
segunda semana de abril, aumenta sua participação para 27,1% do total de
hospitalizações na última semana de maio de 2020.
A associação entre mortalidade por Covid-19 e terceira idade é um reflexo, como haviamos mencionado antes, do peso das condições crônicas que são igualmente mais frequentes nas populações idosas. Mas deve-se mencionar que nas idades mais jovens também se observa uma certa associação entre mortalidade por Covid-19 e a existências de condições crônicas. Uma análise realizada pelo CDC em vários hospitais dos Estados Unidos, mostrou que quase 90% dos pacientes hospitalizados por Covid-19 tem pelo menos uma condição crônica. Esta percentagem foi de 85% no grupo de 18 a 49 anos; 86% no grupo de 50 a 64 anos e chega a quase 95% no grupo de 65 anos e mais[iii]. Portanto, mas importante do que a idade para determinar a probabilidade de morte pela endemia é a existência de algum tipo de co-morbidade associada a doenças crônicas. A tabela 1 mostra, de acordo com os dados do CDC, as principais condições crônicas dos hospitalizados por Covid-19 nos Estados Unidos em três grupos de idade.
Tabela 1 – Percentual de Pacientes Hospitalizados por Covid-19 nos Estados Unidos por tipo de Condição Crônica segundo grupos idade
Tipo de Condição Crônica
|
Percentual de Pacientes com Doenças Crônicas Hospitalizados por
Covid-19 por Grupos de Idade (%)
|
|||
Total
|
18-49 anos
|
50-64 anos
|
+ de 65 anos
|
|
Hipertensão
|
49,7
|
17,5
|
47,4
|
72,6
|
Obesidade
|
48,3
|
59,0
|
49,0
|
41,0
|
Diabetes Mellitus
|
28,3
|
19,6
|
32,1
|
31,3
|
Doença Pulmonar Crônica
|
34,6
|
36,4
|
28,3
|
38,7
|
Doença Cardiovascular
|
27,8
|
4,7
|
19,6
|
50,8
|
Doença Neurológica
|
14,0
|
9,5
|
7,3
|
23,8
|
Doença Renal Crônica
|
13,1
|
7,3
|
3,8
|
25,4
|
Pelo Menos uma Condição
Crônica
|
89,3
|
85,4
|
86,4
|
94,4
|
Condições crônicas como hipertensão, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, neurológicas e renais crônicas estão mais presentes como co-morbidades nas hospitalizações por Covid-19 nos grupos com mais de 65 anos, mas outras condições crônicas, como obesidade e doenças pulmonares crônicas, também estão presentes em proporções maiores do que nos idosos nos grupos de idade mais jovem.
Algumas informações sobre a sobre-mortalidade por Covid-19 entre os idosos no Brasil
Os dados do Covid-19 no Brasil por grupos de
idade tem sido reportados com alguns problemas, mas já permitem traçar algum
paralelo com o que acontece nos Estados Unidos e outros países. É sempre bom
lembrar, que a estrutura etária no Brasil ainda é mais jovem do que a
norte-americana e a dos países europeus. A proporção de pessoas com 60 anos e
mais no Brasil em 2020 é estimada em 13,6%, comparada com 22,4% nos Estados
Unidos, 25,8% na Espanha, 25,9% na Suécia e 29,3% na Itália. Adiciona-se o fato
de que a expectativa de vida ao nascer no Brasil, estimada em 76 anos em 2020,
é menor que a destes países estimadas em 79, 84, 83 e 84 anos, respectivamente.
Nesse sentido, é de se esperar que a distribuição da mortalidade por Covid-19
por grupos de idade no Brasil, tenha um menor peso das idades avançadas do que
nos demais países mencionados.
Fonte: Elaboração
do Autor a Partir dos Dados do DATASUS
Os dados do gráfico 6 não permitem reproduzir a
mesma lógica da informação apresentada no gráfico 2 para os Estados Unidos,
dado que não há informação sobre mortalidade proporcional por idade em geral no
mesmo período onde estão ocorrendo as mortes por Covid-19. Nesse sentido não é
possível deduzir das mortes em geral as mortes relacionadas para o Covid-19
para comparar “mortes por outras causas” com “mortes pelo Covid-19” por idade.
Dessa forma, optou-se por comparar a estrutura de mortalidade proporcional da população total por
idade em 2017 com a estrutura de
mortalidade proporcional para o Covid-19 relativa ao total das mortes acumuladas até
8 de maio de 2020.
Os resultados mostram que, como ocorre nos
Estados Unidos, existe uma sobre-mortalidade por Covid-19 nas idade de 60 anos
e mais - 69,2% das mortes totais por Covid-19 - quando comparadas com a
mortalidade em geral, onde esta faixa etária responde por 66.9% das mortes do
país. Há que se considerar, no entanto que, diferentemente do que ocorre nos
Estados Unidos, a sobre-mortalidade por Covid-19 começa na faixa de 30 anos e
mais, enquanto que nos Estados Unidos esta só começa a partir dos 60 anos de
idade. A sobre-mortalidade precoce por Covid-19 no Brasil, além dos
diferenciais de estrutura etária da população, pode estar associada ao fato de
que o país tem uma carga de doença por enfermidades crônicas precoce em relação
ao Estados Unidos, fazendo com que os risco associados as co-morbidades do Covid-19,
analisados anteriormente, se iniciem em idades mais jovens.
O gráfico 7 mostra a distribuição da
mortalidade proporcional por idade do Covid-19 no Brasil e em três nações
européias com estrutura etária mais envelhecida (Itália, Espanha e Suécia) na
primeira quinzena de maio de 2020. Fica evidente que, uma vez que as mortes
associadas ao Covid-19 no Brasil ocorrem mais cedo do que nos demais países, há
um maior risco das populações mais jovens estarem espostas à pandemia. Além da
composição etária da população ser mais jovem, o dado poderia estar refletindo,
como já foi mencionado anteriormente, a incidência precoce de condições
crônicas entre a população brasileira[v],
além de eventuais falhas no sistema de atenção à saúde tanto do lado preventivo
(ausência de testes e esforços insuficientes para garantir a adesão da
população ao distanciamento social, especialmente dos que tem menos de 60 anos)
e curativo (baixos níveis de acesso da população a hospitais, leitos de UTI e
ventiladores mecânicos) impossibilitando o tratamento adequado daqueles que
teriam mais chance de cura pelo sistema de saúde se adequadamente medicados.
O Ministério da Saúde não coleta ou divulga
informações sobre a estrutura etária das hospitalizações por Covid-19, embora
alguns Estados apresentem esta informação. Muitos estudos tem demonstrado que a
idade média das hospitalizações por Covid-19 é relativamente baixa no Brasil,
refletindo parcialmente a estrutura etária[vi]
da população e a estrutura da mortalidade por Covid-19 no país a qual é mais
jovem do que nas economias avançadas. Mas por outro lado, seria importante
verificar se esta informação poderia estar associada, mesmo que parcialmente, a
uma relativa negligência no atendimento de casos de Covid-19 para populações
com idade mais avançada, especialmente nas localidades mais pobres, as quais,
mesmo sendo desproporcionalmente afetadas pela pandemia, enfrentam maiores
dificuldades socio-econômicas e institucionais para ter acesso ao sistema de
saúde.
Como foi mencionado, abrigos e asilos para a terceira idade são uma ameaça para a contaminação de idosos pelo Covid-19 nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos existem mais de 15,6 mil instituições asilares para a terceira idade e em alguns Estados elas foram responsáveis por mais de 50% das mortes por Covid-19 até junho de 2020[vii]. Mas no Brasil, a proporção de idosos que vivem em instituições asilares é relativamente pequena, quando comparada com as economias avançadas. Um relatório preparado pela SBGG em abril de 2020, para subsidiar a Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da Câmara dos Deputados no enfrentamento da pandemia, menciona que há cerca de 78 mil idosos em instituições credenciadas no Sistema Único de Assistência Social brasileiro[viii], comparado com os 2,5 milhões de norte-americanos que vivem em instituições similares (nursing homes and assisted living facilities) e que representam cerca de 6,5% da população norte-americana com mais de 65 anos de idade[ix].
Os maiores riscos sociais para a população de terceira idade no Brasil estão associados aos que vivem em familias multi-geracionais. O número de familiares que se dedicavam a cuidados de idosos com 60 anos ou mais no Brasil aumentou de de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões em 2019, de acordo com os dados do IBGE[x]. Boa parte destes familiares se dedicavam, em 2019, a monitorar os idosos ou fazer companhia dentro do domicílio (83,4%), auxiliar nos cuidados pessoais (74,1%) e transportar ou acompanhar para consultas médicas, exames, parques e praças, atividades sociais, culturais, esportivas ou religiosas (61,1%). Esta situação é ainda mais precária para os idosos que vivem em favelas e comunidades, onde a acessibilidade é mais difícil, os domicílios tem alta densidade de moradores, grande proximidade de outros domicílios e falta de condições adequadas de saneamento, coleta de lixo e desinfecção, criando um ambiente de alto risco para idosos. Não se sabe, especialmente em favelas ou comunidades, se os familiares tem tomado as medidas necessárias para a proteção dos idosos contra o Covid-19. Ações públicas ou comunitárias para este fim são urgentes.
O maior risco de contaminação dos idosos ao Covid-19, como visto neste artigo, não se associa somente ao fato de serem idosos, mas principalmente: (a) à existência de co-morbidades que são mais frequentes nas pessoas de terceira idade e, (b) à perda progressiva de imunidade na medida em que as populações envelhecem. Nesta perspectiva, muitos recomendam que, em primeira instância, os idosos continuem com o tratamento e a medicação para que se mantenham estáveis nas condições crônicas que apresentam e que façam esforços para o fortalecimento de seu sistema imunológico.
Além da manutenção dos tratamentos para as doenças crônicas que apresentam, os idosos devem realizar exercícios físicos que combatem condições crônicas e ajudam a fortalecer o sistema imunológico, comam alimentos saudáveis, não fumem (dado que o tabaco enfraquece o sistema imunológico) e limitem a ingestão de alcool. Tomar as vacinas contra gripe, pneumonia e outras é essencial não somente porque contribuem com a resistência imunológica mas também porque ajudam na proteção do sistema respiratório que é o primeiro a ser atacado pela Covid-19.
Ainda que asilos para idosos não sejam muito frequentes no Brasil, eles estão presentes nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro[xi] e a maioria trabalha com condições muito precárias para prestar atenção individualizada aos idosos. De acordo com instituições internacionais, a orientação para a proteção dos idosos contra o Covid-19 em instituições asilares poderia estar baseada nas seguintes medidas:
(a) a elaboração de planos de prevenção e vigilância adaptados às características de cada estabelecimento para evitar contaminação e surtos da doença;
(b) a realização de testes periódicos dos idosos residentes e funcionários para identificar possíveis casos positivos e planos de ação para dar resposta aos casos de contaminação;
(c) a verificação sistemática de temperatura e dos sintomas da Covid-19 entre funcionários e o afastamento daqueles com sintomas respiratórios ou febre;
(d) a suspensão das visitas de parentes e amigos por tempo indeterminado;
(e) a realização de um plano de ação para o isolamento de pacientes contaminados e para o tratamento de casos graves, com acesso claro a hospitais, leitos de internação e equipamentos.
(f) a delimitação de áreas para isolamento respiratório dos que apresentarem sintomas da doença e a preferência pelo uso de áreas de ventilação natural nos ambientes onde residem e circulam os idosos, evitando a circulação forçada de ar condicionado;
(g) a restrição de atividades em grupo e circulação em áreas comuns.
Mas a proteção da maioria dos idosos, especialmente dos que vivem em domicílios multi-geracionais e áreas como favelas e comunidades, exige ações mais complexas, entre elas:
(a) Garantir que todos os idosos em risco de contaminação do COVID-19 - especialmente aqueles aqueles que vivem sozinhos ou em áreas deprimidas - sejam identificados nas áreas de atenção primária (sistemas de saúde de familia) subjacentes, com protocolos claros para remoção e tratamento em casos graves da doença;
(b) Priorrizar os testes de Covid-19 para populações vulneráveis em domicilios multi-geracionais e em áreas de transmissão comunitária sustentada;
(c) Garantir a continuidade de serviços de atendimento adequados para pessoas idosas, incluindo tratamento e medicação para as doenças crônicas pre-existentes e planos de ação físico-nutricionais e vacinação nos serviços de saúde, cuidados paliativos e geriátricos;
(d) Garantir a identificação e informação detalhada dos casos ou mortes por COVID-19 ocorridos em instalações ou em domicílios de modo a melhorar o monitoramento da situação e identificação de causas e fatores de risco associados a ocorrência dos óbitos;
(e) Fortalecer os serviços para prevenir e proteger pessoas idosas, particularmente mulheres idosas, de qualquer forma de violência e abuso, como violência doméstica e negligência;
(f) Garantir que as políticas de visitantes em hospitais e instalações de cuidados respeitem as regras de segurança pandêmica mas mantenham informadas as famílias e a conexão com seus respectivos idosos.
As experiências no Brasil e no mundo tem reportado dificuldades em manter os níveis adequados de segurança pandêmica em áreas urbanas deprimidas e de alta densidade populacional, como favelas e comunidades. No entanto, muitas iniciativas de organizações sociais e comunitárias tem inovado nesta perspectiva. O aumento de plataformas digitais por celulares para informar e conscientizar a população sobre comportamentos para evitar e mitigar a contaminação pelo Covid-19 nas favelas e as ações coletivas disponibilizadas pelo governo e sociedade civil para as comunidades, de forma a promover o distanciamento social e medidas coletivas de proteção parecem ser alternativas efetivas que poderão ser replicadas em outras áreas similares, minimizando os eventuais problemas de contágio subjacentes a estas áreas.
NOTAS
[i] Saudoiu,
Ana, The impact of the COVID-19 pandemic on older adults in Medical News
Today, May 19, 2020. Link https://www.medicalnewstoday.com/articles/the-impact-of-the-covid-19-pandemic-on-older-adults#Old-age-and-preexisting-health-conditions.
[ii]Define-se como mortalidade
proporcional por idade a distribuição percentual dos óbitos por faixa etária.
Ela mede a participação dos óbitos em cada faixa etária em relação ao total de
óbitos.
[iii]
Ver CDC, “Hospitalization Rates and Characteristics of Patients Hospitalized
with Laboratory-Confirmed Coronavirus Disease 2019 — COVID-NET, 14 States,
March 1–30, 2020” in CDC, Morbidity
and Mortality Weekly Report, Link https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6915e3.htm
[iv] Dados coletados dos Ministérios de
Saúde dos Países pela Revista Eletrônica Poder 360. (*) As datas relativas aos
dados de mortes acumulados por país são 8 de maio (Brasil), 12 de maio (Itália
e Suécia) e 13 de maio (Espanha). Para uma visão completa das informações, ver
o link: https://www.poder360.com.br/coronavirus/conheca-a-faixa-etaria-dos-mortos-por-covid-19-no-brasil-e-em-mais-5-paises/
[v] Segundo o Ministério da
Saúde, nos dados acumulados até 8 de maio, as condições mais prevalentes entre
os óbitos pela Covid-19 no Brasil onde a informação sobre co-morbidade havia
sido coletada foram as doenças cardiovasculares (39%), diabetes mellitos (30%),
doenças pulmonares (9%), doença renal crônica (6%) e doença neurológica (6%).
[vi] Ver o artigo Epidemiological and
clinical characteristics of the early phase of the COVID-19 epidemic in Brazil,
de Julio Croda, Ester C. Sabino, Nuno Rodrigues Faria e outros. Link https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.25.20077396v1.full.pdf
[vii]
Ver o informe especial da AARP Bulletin de Junho de 2020, intitulado “Remaining
the Nursing Home: After Covid-19 here´s what experts say may change”.
[viii]
Ver https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/30/Qual-o-impacto-da-pandemia-nas-institui%C3%A7%C3%B5es-para-idosos
[ix] Informação
da publicação Providing Healthy and Safe Foods as We Age: Workshop Summary,
Institute of Medicine (US) Food Forum, Washington (DC): National Academies
Press (US); 2010. ISBN-13: 978-0-309-15883-1ISBN-10:
0-309-15883-4
[x] Dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicilios (PNAD) 2016 e da PNAD Contínua 2019 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Link: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27878-com-envelhecimento-cresce-numero-de-familiares-que-cuidam-de-idosos-no-pais.
[xi] De acordo com a publicação citada
acima na nota de fim de página número viii, um estudo do Ministério Público do
Rio de Janeiro realizado no Rio de Janeiro apontou que, de 60 asilos
inspecionados, apenas cinco tinham condições de prestar atendimento
individualizado aos idosos.
.
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